29 de janeiro de 2009

Caio F[oda] Abreu.

Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas.
Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão. (…)
Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo(...) Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."
Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

[Julio Cortázar
]

A Legião Estrangeira

A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é mais necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, aqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.

[Clarice, óbvio.]

28 de janeiro de 2009

'Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes...'

Tudo em você é colorido, tudo em nós pulsa.

Nossos sorrisos certeiros redimem qualquer olhar desencontrado.

Passo pelos corredores obedecendo o ritmo do seu andar flutuante.

Nada me incomoda quando estamos simplesmente juntos.

Tudo em nós é samba, Noel, Pixinguinha...


Fala baixinho só pra eu ouvir
Porque ninguém vai mesmo compreender
Que o nosso amor é bem maior
Que tudo aquilo que eles sentem


Tudo é colorido.

Quando as mãos se entrelaçam na exaustão da madrugada.

Quando você lê meus pensamentos, eu adivinho as suas falas e, principalmente,

quando nos surpreendemos com alguma loucura só pra deixar claro que ainda somos desconhecidos.

E que nada mude. Que seja assim pra sempre.

Mesmo para te odiar apaixonadamente de vez em quando.

Querer sumir, voltar pra cidadezinha sem deixar telefone ou endereço mas sempre ficar, pedir mais e repetir: sim, eu quero sim.

Se respirar não fosse uma condição para continuar vivendo, te prenderia num beijo sem trégua.

E tudo em nós é colorido,

porque economizamos as palavras.

Porque só dormimos por nocaute.

Porque não esperamos nada, nem a próxima estação.

Porque sempre nos despedimos com um ar de última vez só para, um pouco mais tarde, sentirmos a deliciosa sensação do reencontro.

27 de janeiro de 2009

O óbvio ululante.

Dois ou três amigos me atribuem uma fantasia fluorescen­te das Mil e uma noites. Ainda ontem, cruzei com um dos meus raros admiradores. Assim que me viu, correu para mim, como se fosse me agredir. Agarrou-se a mim e dizia e repetia, esbugalhado: — “Que imaginação! Que imaginação!”. Baixei a vista, escarlate de vergonha. Na véspera, uma vizinha já me cochicha­ra: — “O senhor é fértil. Não é fértil?”.
Fértil, eu! Quer-me parecer que ela aludia às minhas inven­ções, às minhas imagens. Mas, no primeiro momento, por uma dessas associações fatais, cheguei a pensar nos “dias férteis” das senhoras. De uma forma ou de outra, não me cabia promover minha própria fertilidade. Fiz um gesto (o brasileiro gesticula muito) e balbuciei: — “Mais ou menos, mais ou menos”. E fica­mos por aí.
Mas vejam vocês: — sou obrigado a confessar, de público, o equívoco atroz. A minha imaginação é rala e, repito, a minha imaginação é escassa. Mas sou profissional e tenho que subven­cionar o leite do caçula e o sapato da mulher. E que faço? O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a duras pe­nas, uma meia dúzia de imagens. E, um dia sim, outro não, re­pito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens.
Graças a Deus, o leitor não percebe que já leu aquilo umas cinqüenta vezes. [...]

[Nelson Rodrigues]

26 de janeiro de 2009

Mais um da série: TEXTOS QUE EU DEVERIA TER ESCRITO.

Para os grandes, eu penso. E viro a cabeça pra pensar em outra coisa. É mais feliz gostar, amar é pra quem pode. Mas você ou a vida ou sei lá. Insiste. E então chega enorme. E só me resta rir que nem quando vejo um bebê muito pequeno e lindo. Você ri. Vai fazer o quê? É o milagre maravilhoso da vida e eu ficando brega e cheia de medo e cheia de vontade de te contar tantas coisas e nem sei se você gosta de ouvir meus atropelos. Muito amor. E então fico querendo não trair a beleza. Com você sinto a fidelidade de ser tranquila. Um pacto de paz com o mundo. Pra não me afastar de você quando estou longe. E é impossível então que os martelos do apartamento de cima sejam realmente martelos. E é impossível que as chatices do dia sejam realmente sem solução. E os outros caras, aviso, olha, é amor. É amor. Ainda que eu quisesse, não consigo mais nem um centímetro pra você. Desculpa. O amor é terrivelmente fiel. Porque ele ocupa coisas nossas que nem existem nos sentidos conhecidos. É como tomar água morna depois de ter engolido um filtro inteiro de água geladinha. Ninguém nem pensa nisso. Muito amor. De um jeito que era mesmo o que eu achava que existia. E é orgânico dentro da gente ainda que vendo de fora não pareça caber. O corpo dá um jeito. Minha casca reclama mas incha. Tudo faz drama dentro de mim, ainda que nada seja realmente de surpresa. Sentir isso era o casaco de frio que sempre carreguei no carro. Cansado, abandonado, amassado, sujo, velho. Mas, de repente, tudo isso desistente tem serventia e a vida te abraça. O guarda-chuva do porta-malas. A bolsa falsa do assalto que minha mãe mandava eu ter embaixo do banco do passageiro. Sentir isso é os trocos que você guarda pra emergência. Amar grande é gastar reservas e ainda assim ter coragem pra dar o que não se tem. Amar grande é ter vertigem no chão mas sentir um chamado pra voar. Amar grande é essa fome enjoada ou esse enjôo faminto. É o soco do bem na barriga. É mostrar os dentes pra se defender mas acaba em sorriso. É o sal que carrego no fundo falso da bolsa pra quando eu não aguentar a vida. É o açúcar que carrego junto. É tudo que pode sair do controle. É meu corpo caindo. E as almofadas de várias cores pra me dizer que pode dar certo. É o desespero aconchegante.


[Tati Bernardi]

23 de janeiro de 2009

Desencontro

A sua lembrança me dói tanto
Eu canto pra ver
Se espanto esse mal
Mas só sei dizer
Um verso banal
Fala em você
Canta você
É sempre igual

Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor
Jogado aos meus pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis


Não sei se você ainda é a mesma
Ou se cortou os cabelos
Rasgou o que é meu
Se ainda tem saudades
E sofre como eu
Ou tudo já passou
Já tem um novo amor
Já me esqueceu.


[Chico Buarque]

22 de janeiro de 2009

Ai.

[...]
Oxalá, se a antiga perdeu as virtudes. Oxalá, sobretudo, que não volte a calar-se. Com que direito o digo? Com o simples direito de quem não abandonou. Sim, de quem não abandonou.

[Saramago]

21 de janeiro de 2009

Dos Margaritas

Fazer um desenho nas costas da mão
Despir a consciência das dores morais
Jogar uma vaca do décimo andar
Viajar sobre a lua que varre os sertões

Uma ostra chilena, um beijo em Paris
Se cortasse o cabelo e mudasse o nariz

Se Vital escrevesse a constituição
Se eu nunca quisesse quem nunca me quis

Ser dois e ser dez e ainda ser um
Se a vingança apagasse a dor que eu senti
Seco, reto, isento, amoral
Se eu nunca lembrasse o estrago que eu fiz

Tudo isso me faria feliz
Absurdos me fariam feliz
Pero nada me hará tan feliz
Como dos margaritas

[Herbert Viana]

20 de janeiro de 2009

Considerações sobre o sono.

[ou,

como Antonio Maria descreveu

perfeitamente o meu domingo.]


A pessoa que dorme está inteiramente só.

Quando o homem dorme, o seu rosto se desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos.

Nada enternece mais uma mulher que o rosto do amante, dormindo.

Ela se debruça sobre a face do amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha dizendo ou dando a entender.

É quando a gente se parece menos com os mortos... é quando se está dormindo.

[...]No sono, a imobilidade das pessoas boas e confiantes é sempre desarrumada.

Gente má dorme em posição de sentido.

Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do sono.

Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição realmente confortável.

Experimente descobrir na mulher que dorme a seu lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe uma razoável justiça.

Quanta luz nos corpos despidos das mulheres claras!

Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre lençóis negros?

A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la).

Se for preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais.

Ah, que intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só você a viu, só você a verá assim tão bela!

Nas mulheres que dormem vestidas há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança.

A amada tem sob os cílios a sombra suave das nuvens.

Seu sossego é o de quem vai ser flor, após o último vício e a última esperança.

Um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.

Mas, já que é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos amantes.


[Antônio Maria]

19 de janeiro de 2009

Desculpa

Sabe o que acontece?!
Eu não passo de uma menina chata e mimada que adora sofrer só pelo prazer de reclamar.

E pior que isso,
acho que todo mundo tem OBRIGAÇÃO de me aturar.
Eu deveria ter nascido em abril, pelo menos seria ariana e não teria culpa em ser assim.

As coisas lá...

Quando não estou no pêndulo insuportável de devorar ou vomitar, tenho meus minutos de contemplação. As coisas lá, eu aqui. As coisas lá. Eu aqui.
E quando entendo que posso gostar de cinema sem ver filmes o tempo todo, e gostar de sumir sem fazer sexo ou dormir o tempo todo, e gostar de livros sem ler o tempo todo e amar alguém sem estar com ele o tempo todo, entendo o mais maravilhoso de tudo: que eu posso ser eu sem falar nisso o tempo todo.
E fim de papo.

[Tati Bernardi]

16 de janeiro de 2009

No que Concerne Bater e do que Significa Apanhar

[...]
Se a pedidos, construa um hiato entre o que se reivindica e o amor de pica. É preciso que ela feche os olhos antes, para sentir o que pede, e até duvide que será atendida, embora saiba que merece.

[Xico Sá]

14 de janeiro de 2009

Com Gaza.

As manifestações públicas não são estimadas pelo poder, que não raro as proíbe ou as reprime. Felizmente não é esse o caso de Espanha, onde se têm visto sair à rua algumas das maiores manifestações realizadas na Europa. Honra seja feita por isso aos habitantes de um país em que a solidariedade internacional nunca foi uma palavra vã e que certamente o expressará no ato multitudinário previsto para domingo em Madrid. O objeto imediato desta manifestação é a ação militar indiscriminada, criminosa e atentatória de todos os direitos humanos básicos, desenvolvida pelo governo de Israel contra a população de Gaza, sujeita a um bloqueio implacável, privada dos meios essenciais à vida, desde os alimentos à assistência médica. Objeto imediato, mas não único. Que cada manifestante tenha em mente que já levam sessenta anos sem interrupção a violência, a humilhação e o desprezo de que têm sido vítima os palestinos por parte dos israelitas. E que nas suas vozes, nas vozes da multidão que sem dúvida estará presente, irrompa a indignação pelo genocídio, lento mas sistemático, que Israel tem exercido sobre o martirizado povo palestino. E que essas vozes, ouvidas em toda a Europa, cheguem também à faixa de Gaza e a toda a Cisjordânia. Não esperam menos de nós os que nessas paragens sofrem cada dia e cada noite. Interminavelmente.


[Saramago]

Camelo diz:

13 de janeiro de 2009

Da série indecifráveis enigmas femininos

É um segundo da mais absoluta beleza. Lá vinha a morena. Minhas retinas fatigadas fecham em close. Que maravilha. Aquele sorriso, como digo, indecifrável. Porque não se trata de um sorriso besta de alguma felicidadezinha passageira, de um ganho financeiro, da sorte no amor ou no jogo.

É mais enigmático. Muito mais do que o sorriso da Monalisa, que reza a lenda, era o sorriso de uma grávida. Não é o sorriso dos paraísos artificiais dos remédios tarjas pretas ou de alguma pastilha psicodélica. Nada.

Não é apenas o sorriso de quem recebeu uma notícia alvissareira, passou no concurso ou viu o regime fazer o efeito pretendido, uns quilos a menos, nova silhueta, que beleza! Nem chega perto.

Também não é o sorriso de quem ouviu uma cantada de amor com requintes de vida eterna.

A moça que ri sozinha na calçada é um mistério.

Não é o riso de quem ouviu uma piada, um “gostosa”, “tesouro” etc etc. É bem mais profundo.

De que ri a moça?

Será que a moça que vem na calçada ri de alguma coisa que despencou-lhe, naquele exato instante,do trapézio da memória? Alguma coisa muito engraçada dos tempos em que ela era uma pequena, uma pirraia, quem sabe uma queda de uma árvore ao subir pela primeira vez no pé de jambo da frente da casa suburbana?

Não é o sorriso de quem recebeu carta do estrangeiro, carta do amor que um dia escafedeu-se, saiu para comprar o king size do desamor e do desprezo.

Às vezes parece um pouco com um certo sorriso de maldade. Uma pontinha de vingança, quem sabe. Mas que nada. Só parece. Nada disso.À medida, mesmo naquele rápido segundo, que os lábios voltam ao normal, desfazendo o sorriso, vê-se que não tem nada de maldoso naquele retrato. Muito menos é tingido pelo gloss sabor uva da ironia ou o batom vermelho das vinganças. Não, não é nada irônico, nada ressentido.

Quanto mistério num sorriso de tão pouco tempo. Daria uns cinco anos de vida em troca do esclarecimento desse enigma de um segundo.Chego até a refletir, cofiando a barba rala e dando pequenos nós na costeleta: será que é consciente, será que elas sabem que o misterioso sorriso toma conta do rosto naquela hora?

Não, também não é sexo. Por mais que o gozo, a pequena morte, como dizem os franceses, faça bem à pele e seja motivo do carnaval particular no peito,não é esse ainda o motivo isolado daquele sorriso, um sorriso mais invocado do que o sorriso do gato de Alice.

Gastaríamos esse jornal inteiro em especulações ainda sem rumo. Coisa de agoniar o juízo. Melhor mesmo apreciar esse lindo mistério das crias das nossas costelas.

[Xico Sá]

7 de janeiro de 2009

Irremediável.

'Por que você me faz
Andar na contramão
E ver em mim pedaços
Que eu nunca conheci?'


Hoje acordei com vontade de ser mais sua. Meu coração pede você. Meu corpo só quer o seu. É com você que eu quero brigar na minha TPM, por você que quero ter minhas crises de ciúme, é o seu rosto que eu quero ver todas as manhãs quando abrir os olhos. É com você que eu quero ser EU. Normal, preguiçosa, contida, manhosa, espevitada, imperfeita mas, como você do meu lado, COMPLETA. Porque você me completa... sabia? Quero ser a companheira dos seus programas de índio, mesmo que você prefira praia e eu montanha. Porque quando você quer, eu quero também. Porque às vezes eu penso tanto em você que chego a ouvir meu celular tocar... talvez você também esteja pensando em mim. E quando ele toca de verdade eu faço às pazes comigo mesma. Porque quando você me quer, eu te quero muito mais.
Você transformou todas as minhas reticências em pontos finais, as interrogações em exclamações. Entrei numa de sorrir e agora, mesmo se eu quiser, não consigo mais parar. E, mesmo quando reclamo, faço bico, fecho a cara, no fundo eu tô gostando e talvez eu só precise de mais um pouquinho da sua atenção. Porque tudo sem você é vazio, sem gosto e sem cor.
Amo você, irremediavelmente.

A pior doença é o mau gosto...

e tenho dito.

6 de janeiro de 2009

Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo.

[...]
Uma paixão está rondando você? Chute.
E trocará uma eternidade de angústia por um minuto de desalento. Mas -- como Montaigne escreveu – eu poderia estar aqui defendendo o contrário, com a mesma convicção.

[http://ohomemsincero.globolog.com.br/]

Enquanto isso, no mundo encantado dos silogismos...

É um porão sujo e úmido, seus pés e mãos amarrados. Comida, uma vez por dia. Não há luz, por sorte, senão veria as larvas passeando pelo prato. O café é péssimo, uma água preta suja. Mas você bebe, por causa do vício. Isso faz aumentar a sua insônia, a ansiedade e os ataques de pânico. Uma escada leva ao andar de cima onde um cão de quatro olhos que responde pelo nome de “meu bem” faz a guarda. Na sua última tentativa de fuga, ele mordeu sua barriga, que agora tem um buraco cheio de pus e sangue. Não existem médicos, nem remédios. Talvez, logo, você morra de infecção. Passando pelo cão, 80 homens armados recrutados no Complexo do Alemão jogam cartas e te esperam com fuzis, peixeiras, granadas, punhos de aço e tatuagens rabiscadas na prisão. Eles também não gostam muito de você. De vez em quando descem e te enfiam a porrada. Te chamam de boneca, coisa linda e o resto, você já sabe. O grande portão de ferro está trancado com cem cadeados. O centésimo só é aberto com uma senha alfa-numérica de 33 posições. O vigia, único que sabia da combinação, foi devorado pelo cão por engano. Do outro lado do portão, o deserto. São cinco dias e cinco noites de caminhada numa temperatura que faz até o diabo querer ventarola. Para sobreviver, só contando com a sorte. E com a compaixão dos urubus.

É por isso, amor, que você não me liga.
Só por isso.


[Jô Hallack]

Karma Police

I've given all I can, it's not enough
I've given all I can, but were still on the payroll
This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us
And for a minute there, I lost myself, I lost myself
And for a minute there, I lost myself, I lost myself...

[Radiohead]

5 de janeiro de 2009

Água Perrier

Não quero mudar você
nem mostrar novos mundos
pois eu, meu amor,
acho graça até mesmo em clichês.

Adoro esse olhar blasé
que não só já viu quase tudo
mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

Só proponho
alimentar seu tédio.
Para tanto, exponho
a minha admiração.
Você em troca cede o
seu olhar sem sonhos
à minha contemplação:
Adoro, sei lá por que,
esse olhar
meio escudo
que em vez de meu álcool forte pede água Perrier.

[Antonio Cícero]

Como são e a hora certa.

Enquanto arrumo minha mala para viajar percebo que tenho um novo mantra. Talvez algo aprendido pra trás ou uma espécie de filosofia pra frente. Ainda não sei se tem aí algo de mágico ou apenas um espírito brega de final de ano, daqueles bem otimistas e tal.
[...]
Tenho saudades dele. Uma chaminha de reter quer voltar. Um gelinho de doer quer voltar. Mas solto, deixo, vai, apago, derreto. As coisas são como são. Além do que, uma vida pela frente vai me dizer. Na hora certa.
E então meu I-pod toca Led Zeppelin no último volume e eu me acabo de gritar e sentir a vida. Quem diria. Anos e anos ouvindo todos os namorados me xingarem porque eu simplesmente odiava essa banda e agora, do nada, esse amor, essa obsessão. Descobri o cara. E meu Deus como eu amo ele. Pelado, louco, com a voz de um anjo tarado. As coisas são como são. Na hora certa.
E então olho o meu “Grande Sertão” completamente riscado e eu obcecada pelas citações. E quem diria. Quem diria. Ontem mesmo, conversando com vários amigos, eles me disseram que eu não mais parecia comigo. Eu pareço eu sim, mas vou ganhando o mundo quando abro algumas brechas da minha prisão. E de brecha, vou me ganhando também. E quase vira o estômago mas sou tomada por uma fome boa que eu nem sei o nome. Talvez acreditar assim, sem medo, em algo descontrolado e de alguma forma justo, seja acreditar em Deus. Durmo em paz. Tudo na hora certa. As coisas são como são.
E quando recebo suas mensagens de texto, ao longe, dizendo meio que genericamente que deseja tudo de bom e sente saudade, fico com vontade de perguntar se aquele recado chegou só pra mim ou foi disparado para toda lista do celular. Mas me recolho. Uma minúscula e ainda baixa “vozinha” me diz que além dos meus textos eu tenho também muitos charmes, graças e belezas. Além dos meus espinhos eu tenho também muitas flores. E que sim, eu posso ser amada. Porque não ter alguém agora, agarrado aos meus pés, não significa não ser um calo persistente até mesmo em solas curtidas e acostumadas com a corrida. Descubro coisas terríveis e maravilhosas a respeito do amor. As coisas são como são. E na hora certa.
Como diria Milan Kundera “o amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no instante em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética”. Como diria João Guimarães “o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo”. Como diria ou gritaria ou uivaria Robert Plant “Com apenas uma palavra ela consegue o que veio buscar.
 E ela está comprando uma escadaria para o paraíso”. As coisas são como são. Na hora certa. E foda-se.


[Tati Bernardi]