29 de maio de 2009

E quero me dedicar a criar confusões de prosódia...

A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contato: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que é: "eu te desejo", e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem goza de tocar a si mesma); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação.

[Roland Barthes]

28 de maio de 2009

Me avise quando for a hora...

Acordo com a voz safada de Cazuza repetindo em minha orelha fria:
"Quem tem um sonho não dança, meu amor".
Eu desperto, e digo sim. E tudo recomeça

[C.F.A. in Segunda Carta Para Além dos Muros]

27 de maio de 2009

The end

Oh yeah.
Alright.
Are you gonna be in my dreams
Tonight.

Love you. Love you. Love you. Love you.
Love you. Love you. Love you. Love you.
Love you. Love you. Love you. Love you.
Love you. Love you. Love you. Love you.
Love you. Love you. Love you. Love you.
Love you. Love you. Love you. Love you.

And in the end,
The love you take
Is equal to
The love you make.

[The Beatles]

26 de maio de 2009

Prezada Mulherzinha

Se existe alguém que pode falar o que vou falar para você, sou eu. Então, por favor, tenha a humildade de admitir que sei o que estou falando. Pois o que eu te direi é duro, mas poderá te fazer um bem enorme.

Chega. Chega de se comportar assim. Como se estivesse lutando pelo posto de rainha da bateria. De Miss Maravilha do Mundo. Basta de ataques, dessa competitividade suburbana eu sou a melhor, eu sou a mais alta, eu sou a mais gostosa do pedaço. Ninguém tá ligando a mínima se você corre 10 quilômetros ou se aplicou Botox nessa sua testa sem expressão. Ou se você é assim porque ainda não passa de uma menininha que quer ser mais perfeita do que a mãe, conquistar o amor do pai e ser a primeira da classe. Esse teu afã psicopata de vencer todas as paradas só te deixa ridícula. E me faz querer usar um termo que odeio: coisa de mulherzinha. Mulherzinha é que tem essa mania de estar sempre desconfiada das amigas, porque todas teriam inveja do seu corpão e do seu cabelão estilo falso-loiro-natural-cinco-tons. Lamento informar, querida, que ninguém sente inveja de você. Por isso, chega de dizer por aí que, para não atrair olho grande, é bom ficar de bico fechado sobre a tal possível promoção que você terá no trabalho. Relaxa, ninguém está a fim de ser você. Tente, portanto, ser você com mais leveza. E lembre-se: esse negócio de dizer que não se pode confiar em mulheres só comprova que você é uma pessoa maliciosa. Sendo que isso está longe de ser porque você é fêmea.

Quando vejo você tagarelando sobre seus feitos sexuais, sinto-me num filme ruim sobre ginasianas americanas. Todas fanhas e excitadas. Chega, tá? De azucrinar os outros com essa sua boca-genital lambuzada de gloss, cuspindo baixos-clichês, simulando uma modernidade que você não tem. Nunca mais caia no ridículo de fazer "sexo casual" com nenhum tipo de homem, mais velho ou mais novo, casado ou solteiro, porque todo mundo já sabe que você finge tudo. Que goza, que não se sente fácil, que não liga quando os caras não telefonam no dia seguinte. Seja honesta uma vez na vida: confesse. Que você não é nada tão wild quanto se vende. Que não sabe falar tão bem inglês assim. Que fez escova progressiva. Que tem dermatite. E enfim você terá alguma paz, pois se reconhece humana, e não a barbie boba que você procura ser. Acredite: idiotice só te faz charmosa para os cafajestes. Se continuar assim, nunca vai aparecer aquele cara bacana que você gostaria que aparecesse; para lutar por você, até te conquistar, e destruir essa tua linda silhueta com uma gestação de 15 quilos.

É triste, amiga Mulherzinha, mas você terá que abrir mão da máscara de rímel que cobre a sua verdade.

[Fernanda Young]

S O F R O

Sexo com amor

[...]
Hoje liberdade parece que é não se importar com o outro. É fácil esquecer amores, amizades, empregos. Não percebo resistência, luta por uma paixão, superação das dificuldades, persistência por um ideal, leitura de lábios, dedicação exagerada e até irritante. Não se faz mais um samba por uma dor-de-cotovelo ou em nome de qualquer parte do corpo. Não se toma um porre para chorar em público por uma mulher.
As relações se esgotam em um torpedo. No primeiro empecilho, troca-se de par, troca-se de casa, troca-se de rosto, troca-se de roupa, troca-se de ideologia. Se ela não está a fim de mim, digo azar e não procuro a sorte. Onde estão os obsessivos? Onde estão os fiéis? Onde estão os que acreditam tanto na dúvida que a transformam em confiança?
[...]
É obrigatório gozar, é obrigatório estar acompanhado, é obrigatório ser feliz, é obrigatório emagrecer. Quanta pressão e coerção por todos os lados. Não consigo manter a espontaneidade sendo cobrado. Imagina uma mulher confessar numa roda de amigos que não teve um orgasmo? "Mas como?", vão revidar. "Em que mundo vivia?", o coro grego logo recriminará.
O que devia ser uma conquista tornou-se uma culpa. E o que acontecerá? Haverá mais gente fingindo do que procurando a autenticidade. A pressa elimina o ritmo afetivo de cada um.
Não suporto a felicidade como uma imposição, muito menos o gozo ou a euforia. A satisfação pessoal não depende de mim, mas da capacidade de sair de mim.
Dependo de quem amo e não me diminuo em dizer isso. Não existe arrebatamento sem idealização, mesmo que o sofrimento venha com o pacote. Cair ao menos me cura da vertigem.
Sexo com amor, política com amor, ética com amor, amizade com amor é bem melhor. E natural. Ainda que demore, durará mais do que uma mentira.

[Mais um do brother, Fabricio carpinejar]

25 de maio de 2009

Delicatessen

Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, "tá quentinho, comprei agora". Conversamos uns quinze minutos, era a hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua "ídala", mas ia almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: "pé-de-porco". Não entendi. Como? "Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também". Ahn... interessante, respondi. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.

Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram uma noite um pé-perna de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: "O que aconteceu com seus gatos?" Resposta: "Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu". Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que "bife" era uma coisa para as classes mais baixas, "de um mau gosto terrível", ele enfatiza. E um outro cara que eu conheci, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia... Uma tarde veio se despedir, ia morar em Minas... Perguntei: "E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?" Resposta: "Tive de matá-los". "Mas por quê?!" Resposta: "Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos". "Você não podia soltá-los em algum lugar, tentar dar alguns?" Olhou-me aparvalhado: "Mas onde? Pra quem?" "E como você os matou?" "A pauladas", respondeu tranqüilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir, ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro. E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a idéia de criar criaturas e juntá-las? Oscar, traga os meus sais.

[Hilda Hilst]

21 de maio de 2009

20 de maio de 2009

O abraço preciso.

As mulheres da geração de minhas filhas se debatem entre as vantagens da vida caseira e as da mundana. Vivem se perguntando se preferem cuidar de um lar estável a viver - talvez despreocupadamente - em espaços transitórios; se precisam mais da proteção de cenários conhecidos ou da liberdade que existe quando se passa de uma experiência à outra. Não sabem se devem se entediar com um homem que lhes garanta a angustiante rotina cotidiana tranquilizadora ou se divertir com um homem que lhes garanta a angustiante excitação do jogo de segredos e procuras, enganos e confissões, armadilhas que atraem e capturam. (…) Algumas mulheres da geração de minhas filhas parecem viver em uma permanente montanha-russa: ainda não sabem como é, onde está e nem como se procura uma relação que lhes permita desfrutar a calma e a excitação; a tranquilidade e a exaltação; a alegria sossegada do outono frutífero e a exuberante primavera florida.

O trecho acima é do livro Diferentes Formas de Amar – tudo o que não ensinaram às mulheres sobre relacionamentos a dois, da psicóloga argentina Susana Balán, radicada em Nova York. Nele, a autora fala de como as mulheres de hoje precisam de um equilíbrio no mundo afetivo: nem a dependência de suas avós e nem a defensiva de suas mães, aquelas que viveram o momento da emancipação feminina. A idéia surgiu quando uma paciente – da idade de suas filhas, que ela tanto cita no livro, lhe disse: “as mulheres de sua geração nos ensinaram a lutar, mas não nos ensinaram a amar”.

Entre a descrição dos modelos amorosos do passado e narrativas pessoais de mulheres de diferentes gerações, Susana Balán usa a metáfora do abraço e o tango de sua terra natal para descrever como seria esta nova relação. Na edição argentina, o livro ganhou um título melhor: El Abrazo Preciso – Dos para el tango.

O abraço preciso não promete a ausência de asperezas pressupostas pela igualdade nem a concordância absoluta, (…) Oferece, e também pede, a capacidade de resolver harmonicamente a tensão criada pelas diferenças de posições. (…) Na vida, como no tango, os companheiros se olham, se encontram e se apóiam. (…) Então os bailarinos procuram a simetria: só quando o outro é igual em força e bondade, mas diferentes na maneira de articular essas qualidades, é possível revelar a riqueza do intercâmbio de pensamentos, sentimentos e informações.

Você já encontrou este abraço preciso?


[Resenha do livro Diferentes Formas de Amar – tudo o que não ensinaram às mulheres sobre relacionamentos a dois, por Marta Mendonça]

Exausto

Eu quero uma licença de dormir, perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

[Adélia Prado]

FODA-SE.

Um lugar...

Ela sabe que ele gosta dela.
Ele sabe que ela gosta dele.
Às vezes se ignoram.
Ele por preferência pelo implícito,
ela porque aprendeu a dançar conforme a música.
Já perderam a conta de quantas vezes sofreram de saudade,
e nem sabem mais se é tudo uma questão de orgulho ou de sobrevivência.
Mas sabem que o sorriso seguro é de fachada,
e o impulso de ir embora é puro condicionamento.

Embora vivam de palavra,
e de vez em quando sintam falta delas,
seguem a vida tranquilos porque aprenderam na prática
aquela antiga regra matemática das retas paralelas, que,
mesmo escondidinhas,
se encontram no infinito.
E pra sempre.

19 de maio de 2009

...but I'm just a fucked up girl who is looking for my own peace of mind.

[...] How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd; [...]”

[ALEXANDER POPE, in Eloisa to Abelard]

Vale a pena ler.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI71128-15230,00-O+SILENCIO+DO+MACHO.html

18 de maio de 2009

Mínimas, por Fabricio Carpinejar

-Perverter a memória é o jeito mais seguro de preservá-la.
-
Eu desconfio quando estou livre e sem marcação. Deve ser impedimento.
-Tenho dificuldades de cumprir as promessas que me fiz. Não há ninguém para cobrar.
-No romance, o leitor deduz. Nos poemas, ele intui.

-Converto a gana de matar para não morrer.
-
Nenhum pássaro voa olhando as asas.
-Só se transborda com o mínimo.
-
O que não foi vivido totalmente volta.


Non sense

Vamos! Suma daqui desgraçado! Eu não sou boba, entendeu? EU NÃO SOU BOBA. E ele me pede só mais uma música, só mais um beijo e alguns segundos para calçar os sapatos. E eu digo que não, preciso que ele vá embora agora porque tenho algo muito importante a fazer. E como bocejo pra ele mas olho misteriosa pela janela, fingindo que alguém incrível me espera ansioso pelas ruas do mundo, deixo claro que é melhor ele desistir logo de mim. Porque não sou boba. E então ele sai, sem nem amarrar direito os cadarços. E volta pra casa sem tempo de me convidar para o jantar, a festa, o sexo. Sem tempo de encostar sua perna na minha, elogiar minha roupa, o perfume, deixar vir e deixar ir o tédio. Deixar vir e deixar ir a dúvida. E eu fico aqui mais uma vez, tão esperta.

[Tati Bernardi]

Por que eu me identifiquei?!
Vai saber...
E lá vamos nós de novo pra mais uma semana de vida.

14 de maio de 2009

Post gêmeo.

O amor encontra sua dignidade na vergonha. Envergonhar-se de um amor é ter orgulho dele.

Choro por um amor. Despedaço-me por um amor. Fragmento-me por um amor. Faço chantagem por um amor. Digo o que não devo por amor. Estrago uma festa por amor.

Amor desesperado é ainda o jeito mais tranqüilo de amar. Não conheço outra paz senão a de guerrear no fundo de um copo.

Não sou homem de tranqüilizantes, de remédios na cômoda, de sono induzido. Meu quarto é o bar, público e derradeiro. Meu travesseiro é uma toalha de mesa plastificada. Amor só sabe gemer falando alto.

O amor é aguardar uma resposta. A fossa é o período de uma resposta a outra. Não há como amar sem prejuízo. Sem acreditar que não deu certo. É inacreditável como apaixonados contam as mais absurdas inconfidências a estranhos e escondem os detalhes dos mais próximos. Todo garçom já foi nosso padre um dia. Nosso confessor. A gravata-borboleta é nossa batina.

Amor é esse estágio necessário de loucura para suportar a normalidade. Quando amo, não preciso de psiquiatra, preciso de um táxi para voltar.

Amor mesmo é coisa de boteco, com potes de ovinhos de codorna e cachaça nas prateleiras. Amor não tem nojo, repulsa, pudor de sofrer. Sofremos de amor para abrir espaço por dentro e desalojar antigos moradores.

Amor não é próprio de restaurante ou de guardanapo nos joelhos. Não haverá um porteiro saudando com "boa-noite", não haverá recepção ou um senhor para abrir a porta. Aliás, não terá porta, é uma garagem para o corpo balançar à vontade e não quebrar nada.

Não espere cardápio no amor, espere cartazes nas paredes. As lâmpadas estarão com as braguilhas abertas no teto.

Amor mesmo é devasso, cafona, cadeira de metal amarela, dobrável e enferrujada. Deve-se tomar cuidado para não sentar na ponta.

O amor não vem da elegância de um lugar, vem da nobreza da dor.

O amor é o solitário do balcão, a retirar vagaroso o rótulo úmido da garrafa porque não pode despir sua mulher. Fica delirando em braile. Aprende inglês com as moscas. Joga dama com os cascos. Reza dez ave-marias para cada pai-nosso. Descobre que o terço é feminista. A cada vez que pensa em si, pensa dez vezes no corpo dela.

Não se limpa um amor no banheiro. Limpa-se com as mangas da camisa na frente de todos. O amor é a boca assoando.

O amor não pede a conta na mesa, é a conta. Não há amor se você não for o último cliente. O último a sair é que está realmente amando.

Quem ama não guarda o dinheiro na carteira, deixa avulso e amassado no bolso. É sintomático. Estará cantando Amado Batista sem querer. E se espantará que conhece a letra, egressa de alguma estação da infância.

Só pode ser do radinho materno, ao lado do fogão. Sua mãe colocou aquelas canções em sua comida.


[Fabricio Carpinejar, o brother]

Livre

O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus.
Tentou na palavra o extremo-tudo
E esboçou-se santo, prostituto e corifeu. A infância
Foi velada: obscura na teia da poesia e da loucura.
A juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito
Tempo-Nada na página.
Depois, transgressor metalescente de percursos
Colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.
Poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.
A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.
O Caderno Rosa é apenas resíduo de um "Potlatch".
E hoje, repetindo Bataille:
"Sinto-me livre para fracassar".

[Hilda Hilst]

13 de maio de 2009

Viver é muito perigoso

[...] e quando virei o rosto vi meu sorriso nos lábios dele...

[João Guimarães Rosa - Grande Sertão, Veredas]

P&B

É que quando você vai, os cheiros vão com você e vai, também, a minha vontade de rimar.
Quando você vai o dia escurece e eu preciso de uma luminária, de uma lamparina e de um vaga-lume pra ver se não me perco no caminho de casa.
Quando você vai, fica tudo preto e branco, muito mais preto inclusive, e as cores esquecem como são, somem.
Resumindo, quando você vai e eu fico, me dá vontade de não sentir, porque é melhor não sentir nada a sentir isso.

[Rani Ghazzaoui]

11 de maio de 2009

Martha diz:

O que as revistas femininas deveriam receitar é:
não acredite em tudo o que ouve.
Nem em tudo o que diz.
Suspenda a descrença quando quiser prazer.
Não subestime os outros, nem os idolatre demais.
Seja educada, mas não certinha.
Faça coisas que nunca imaginou antes.
Não minta, nem conte toda a verdade.
Dance sozinha quando ninguém estiver olhando.

Divirta-se enquanto seu lobo não vem.

Word of the day...

-ite1
[Do gr. ítis, pelo lat. -ite.]
Suf.
1. designativo de doença inflamatória do órgão, tecido, etc., a que se refere o radical: adenite, amigdalite, bronquite.

[Note-se a ocorrência informal desse suf., com valor irônico e/ou pejorativo, no port. do Brasil, indicando caráter transitório, ou pouco importante: paixonite, reformite.]

Sofro de todas as ITES do mundo.

8 de maio de 2009

Sonho

Se você for exatamente como imagino, igualzinho aos meus sonhos, eu vou embora. Detesto desmancha prazeres.

[Martha Medeiros]

Mudança

pode até ser desperdício
de tempo, de taquicardia, de paixão
mas esta insônia que ofereço
a você
tem bem mais de mim

do que tudo aquilo que já mostrei

e é por isso
- porque não se deve jamais
perder à toa uma noite de sono -
que desse próprio sono desisti,
e se é sorrindo que arrumo as malas
e se não perco a pose quando a chuva
me pega,
é porque levo na carteira uma passagem
só de ida
para o interior dessa cidade ensolarada

que eu ergui,
fundei
e onde me estabeleci,
dentro do teu abraço
...

[Mauricio Limeira]

6 de maio de 2009

O mito da felicidade

Ninguém é feliz no casamento.
Ninguém é feliz no adultério.
Ninguém é feliz na solidão.
Logo, ninguém é feliz.

Schoppenhauer escreveu: “A pior coisa que pode acontecer a alguém é nascer”. A essência do budismo: a vida é sofrimento.

Dá para discordar?

[Fabio Hernandez]


SUEFRO DEMAS, CARAJO!

5 de maio de 2009

Biografia

Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.

[Mario Quintana - Caderno H]


Em Homenagem ao aniversário de morte do poeta.

Frase do dia

As implicâncias exageradas não são gratuitas.

[Retirada do blog da Rafa - http://rafarattis.blogspot.com/]

3 de maio de 2009

Infinitivamente Pessoal

E o anjo pálido troca o mel pelo sal.


Começou a amanhecer. Não sei ao certo como soubemos que tinha começado a amanhecer: era tão escuro ali dentro que noite ou dia lá fora não faria a menor diferença. Por algumas frestas, frinchas — não importa—, tivemos certeza de que começara, claramente, a amanhecer. E por condicionamento, talvez, porque sempre com o amanhecer chega a hora de ir embora, começamos a ir embora. Feito vampiros às avessas — necessitados de luz, não de sombra.
Tinha roxo e rosa no céu. Até as latas cheias de lixo na rua deserta pareciam vagamente douradas. Fez com que caminhássemos a pé, para olharmos o céu. E enquanto eu olhava o céu limpo da cidade suja, interpunha entre nós seu primeiro muro de palavras. Confusas, atormentadas, sobre tudo e sobre nada: palavras amontoadas umas sobre as outras, como se amontoam tijolos para separar alguma coisa de outra coisa. Eu, mal sabendo que esse — que parecia seu jeito mais falso de ser — seria nas semanas seguintes seu jeito mais verdadeiro, às vezes único.
Quando o tempo passasse um pouco mais, nos surpreendendo ainda juntos em outra madrugada, minha cabeça repetiria tonta e lúcida "Éramos tão pálidos, e nos queríamos tanto". Éramos muito pálidos naquela primeira manhã entre as latas de lixo da rua deserta, caminhando em direção ao dia de hoje — mas ainda não nos queríamos com este enorme susto no fundo dos olhos despreparados de querer sem dor.
Lembro que olhando para cima, descobri entre o roxo e o rosa das nuvens um anjo também pálido, magro e de barba por fazer, vestido de negro, com um leve sorriso nos lábios, vertendo uma gota de mel sobre nossas cabeças. Não prestei atenção nele. Me deixava levar, guiado apenas pelo jardim que entrevia pelas frestas dos tijolos, nos muros-palavras erguidos entre nós, com descuido e precisão. Viriam depois, mais muros que os de palavras, muros de silêncio tão espesso que nem mesmo os demorados exercícios de piano, as notas repetidas e os dedos distendidos, conseguiriam derrubar.
Errei pela primeira vez quando me pediu a palavra amor, e eu neguei. Mentindo e blefando no jogo de não conceder poderes excessivos, quando o único jogo acertado seria não jogar: neguei e errei. Todo atento para não errar, errava cada vez mais. Mas durante as ausências, olhando então para cima e abrindo aboca, recebia em cheio na garganta as gotas de mel do jarro de lata que aquele anjo pálido trazia ao ombro. Embora me recusasse a ver que o anjo parecia cada vez mais sombrio. Incapaz de perceber que em seu leve sorriso, bem no canto da boca, começava a surgir uma marca de sarcasmo, feito um tique cruel.
Passaram-se muitos dias. A lua deu mais de uma volta completa no Zodíaco. Ultrapassou Sagitário e caminhou até Áries, completando seu triângulo de fogo e paixão. Bati as mãos contra o muro, procurando brechas. Não havia mais. Espatifei as unhas, gritei por uma resposta qualquer. Nem uma veio de volta. Olhei para fora de mim e não consegui localizar ninguém no meio das vibrações da cidade suja. Olhei para dentro de mim e só havia sangue. Derramado, como nas cirandas.
Queria acordar, mas não era um sonho.
Então localizei outra vez aquele mesmo anjo parado entre nuvens. Estava de branco, agora, mas nenhum sorriso nos severos, em suas mãos havia um jarro de ouro. De dentro ele, chovia um mar de sal sobre a minha cabeça. Por quê?! — eu perguntei. O anjo abriu aboca. E não sei se entendo o que me diz.

[Caio F. Abreu In Pequenas Epifanias]