29 de agosto de 2008

Pra variar, Caio.

Eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro.Mas eu preciso muito muito de você.

25 de agosto de 2008

23 de agosto de 2008

Ontem, segundo Caio.

Foi numa dessas manhãs sem sol que percebi o quanto já estava dentro do que não suspeitava. E a tal ponto que tive a certeza súbita que não conseguiria mais sair. Não sabia até que ponto isso seria bom ou mau — mas de qualquer forma não conseguia definir o que se fez quando comecei a perceber as lembranças espatifadas pelo quarto. Não que houvesse fotografias ou qualquer coisa de muito concreto — certamente havia o concreto em algumas roupas, uma escova de dentes, alguns discos, um livro: as miudezas se amontoavam pelos cantos. Mas o que marcava e pesava mais era o intangível.

C.F.A

21 de agosto de 2008

Resposta de Talita [a mais brilhante possível]

Sintetizando minha prolixidade devido a presença de Ponto d Trabalho...

Eu te entendo. Ou nunca entendo. É só disso que precisamos!

Sou a própria fase lispectoriana em pessoa. Não livro-me de mim mesma, e ainda assim não me encontro na incerteza de ser eu.
Sempre foi e a cada dia q passa mais é.

A salvação é só uma: bipolaridade significa profusão de viver. Disto não se livra, afinal é tudo que perseguimos.


"Muito me assusta o fato de agora ter que conviver com essa coisa que me venda os olhos, me força a pular sem medir a altura, engulir o grito e, em momentos não raros de pura embriaguez sentimental, admitir, EU GOSTO."

E traduzindo isso by Lispector (em uma frase que tem tilintado na minha cabeça essa semana, ainda que tenha se tornado colorário brega dos que se dizem lispectors por natuureza...):

"Não preocupe-se em entender. Viver ultrapassa todo entendimento..."

Vc não quer que tudo seja dele, porque vc não quer ser p. ele, por ele; e no fim minha cara... rs JÁ É.
rsrs
E adianta?
Pulamos de cabeça e seja o que Deus quiser.
Biografia preliminar: vai dar errado.
Mania de pôr Deus nessas coisas.

Apenas seja. Viva e quebre a cara.
Morra não de amor, mas de amar o que não existe...
Pelo meu msn: "Para se alcançar um ideal, é necessário ter ambição, e ter ambição é perder de vista o ideal."

Apenas não se perca ao perder o SEU amor de vista.

Saudade?
NECESSIDADE de seres pensantes como vc.
PQP!

Bju p. cada estrondo de ser Nay.

Email pra Talita.

resolvi deixar as respostas que te devo de lado.
Será que você tem cinco minutinhos pra me 'ouvir'?!

Acabei de ler A Paixão segundo GH e preciso compartilhar com alguém a angústia profunda que entrei.
[Não preciso nem explicar o motivo de você ter sido sorteada para tal, né?!]

Ah,
essa estranheza.
tenho medo da minha desorientação diante dos sentimentos, sempre tive. Nunca reajo bem quando as coisas me fogem ao controle.
Talvez por isso tenha adquirido essa mania de escrever tanto. Desde pequena tento organizar as idéias na minha cabeça, prever o passo do outro pra evitar fugas sem estratégia e planejar a minha resposta ainda antes da pergunta.
Muito me assusta o fato de agora ter que conviver com essa coisa que me venda os olhos, me força a pular sem medir a altura, engulir o grito e, em momentos não raros de pura embriaguez sentimental, admitir, EU GOSTO.

Acho,
acho não,
tenho certeza. Que um dia ainda vou precisar tratar minha bipolaridade.
Percebe como vou de 0 a 100 em poucos segundos?! De sã a louca em poucas frases?! Do topo ao fundo sem barreiras, tempo recorde.
O que será que tá acontecendo comigo?!
Gostar é isso?
Essa vontade que não passa?! Esse desespero, essa angustia?!
Perder noites de sono e alugar o tempo de todas as amigas num monólogo sem fim.
ELE, ELE, ELE, ELE, ELE?!
Tudo ele?
Tudo dele?!

Preciso sair da fase lispectoriana, urgente. São muitas perguntas pra poucas respostas.
E por mais que eu saiba que a resposta é a propria pergunta, a angustia não passa. SIMPLESMENTE PORQUE NÃO QUERO QUE SEJA TUDO DELE. rs

Alguém me entende?!

Saudades, Tah.
Bju

Quero minha mãe

Descobri a verdade mais terrível da minha vida: eu sou escrota porque tenho mãe.
Se você me visse, visse a pose com que ando pelas ruas, com que brigo em lojas que me atendem mal, com que exijo silêncio da minha vizinha, com que meto meu carro em cima de gente folgada, com que grito com telemarketings, com que dispenso garotos burros.
Você diria: aí vai uma menina corajosa, destemida e meio escrota. Talvez muito escrota.
Não estou nem aí. No final das contas, minha mãe divide comigo o ódio que sinto de tudo o que dá errado na vida. De tudo o que é chato.
Ela dá risada e concorda: “não tem mesmo homem a sua altura, minha filhinha”.
Agora que moro sozinha me sinto uns 90% menos escrota e descobri que sou escrota apenas porque tenho mãe. Sem mãe por perto virei um gatinho medroso.
E pior: fico querendo que todo mundo seja minha mãe. Se o porteiro me trata mal, ou o taxista, ou o cobrador, não consigo ser escrota com eles. Apenas guardo tudo para a hora do banho e choro como se eu tivesse cinco anos. Perdi meu poder de ser filha da puta (como é bom escrever palavrão, no blog eu não posso!!!).
Eu só era filha da puta porque tinha minha mãe por perto. Não que ela seja puta, mas é uma puta mãe. Eu era filha da puta por causa da minha mãe.
Agora fico nessa lama querendo que o caixa do restaurante aqui da frente do hotel me pergunte se “papei tudo”. Outro dia a garçonete me ofereceu um pedaço de pudim e eu quase chorei de emoção: será que ela quer ser minha mãe? Depois, quando ela me cobrou 12 reais por um pedacinho de merda de pudim, me lembrei que nesse mundo todo mundo quer é mamar nas suas tetas, mas oferecer um ombrinho ninguém quer não.
Eu era escrota porque tinha mãe. Se eu batesse o carro, ela arrumava. Se eu tivesse febre, ela tirava. Se eu arrumasse uma merda de homem que não me desse valor, ela dava. Se eu chorasse, ela chorava mais ainda, tanto que eu acabava rindo. E se eu sentisse um vazio de merda dentro de mim, ela fazia pão de queijo. Pão de queijo te infla por dentro e resolve esse papo de vazio existencial.
Eu era escrota porque tinha mãe. Agora, fico torcendo pro taxista não querer me estuprar ou, pelo menos, não vir com o papinho furado de taxas entre bairroxxxxxxx. Fico torcendo pro cara do ônibus não roubar meu laptop. Fico torcendo para os meus colegas roteiristas escutarem só um pouquinho algum drama meu, pessoal. Porque preciso, ainda que por um segundo, ainda que de mentirinha, que alguém seja minha mãe. Porque o mundo virou um lugar não maternal.
Outro dia achei uma mancha “sinixxxxxtra” no meu edredon. Quero minha casa, quero minha mãe.
Quero a geladeira da minha mãe, com frutas cortadas. Quero meu personal, a moça que me faz drenagem.
eu só querendo um pouco de colo, um lençol que tenha meu cheiro. Sei la.
Eu era escrota porque tinha mãe. Porque eu me sentia bonita mesmo descabelada, porque eu me sentia inteligente mesmo rebolando pra fazer graça pra ela. Porque se eu acordasse no meio da noite achando que ia morrer, era só ligar que ela vinha correndo. Nunca morri, mas vai que um dia eu morro!
[...]
quero voltar a ser escrota. Quero voltar a não sentir medo de nada. Quero voltar a dormir embaixo das borboletas.

[Tati Bernanrdi]

20 de agosto de 2008

A paixão segundo GH

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?
Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.
Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
[...]
Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida. Sei que precisarei tomar cuidado para não usar superficialmente uma nova terceira perna que em mim renasce fácil como capim, e a essa perna protetora chamar de uma verdade Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E - e se a realidade é mesmo que nada existiu?! Quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo - que sei do resto? O resto não existiu. Quem sabe nada existiu!

[...]
Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo.
[...]
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão - mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca. Mas embora decepada, esta mão não me assusta. A invenção dela vem de tal idéia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.
[...]
Por enquanto estou inventando a tua presença, como um dia também não saberei me arriscar a morrer sozinha, morrer é do maior risco, não saberei passar para a morte e pôr o primeiro pé na primeira ausência de mim - também nessa hora última e tão primeira inventarei a tua presença desconhecida e contigo começarei a morrer até poder aprender sozinha a não existir, e então eu te libertarei. Por enquanto eu te prendo, e tua vida desconhecida e quente está sendo a minha única íntima organização, eu que sem a tua mão me sentiria agora solta no tamanho enorme que descobri. No tamanho da verdade?
Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo - para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.
A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio, no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo a que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.
Terá sido o amor o que vi? Mas que amor é esse tão cego como o de uma célula-ovo? foi isso? aquele horror, isso era amor? amor tão neutro que - não, não quero ainda me falar, falar agora seria precipitar um sentido como quem depressa se imobiliza na segurança paralisadora de uma terceira perna. Ou estarei apenas adiando o começar a falar? por que não digo nada e apenas ganho tempo? Por medo. É preciso coragem para me aventurar numa tentativa de concretização do que sinto. É como se eu tivesse uma moeda e não soubesse em que país ela vale.
Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo?
E porque não tenho uma palavra a dizer.
Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então?


[Clarice]

19 de agosto de 2008

Por favor, entenda.

Só não entende quem não quer!
Porque entender é um modo de olhar.
Porque entender, aliás, é uma atitude...
e um dos indiretos modos de entender é achar bonito.

[Clarice]

16 de agosto de 2008

Pelo direito ao post sem sentido.

Se você quer mesmo saber
Por que que ela ficou comigo
Eu digo que não sei
Se ela ainda tem seu endereço
Ou se lembra de você
Confesso que não perguntei

As nossas noites são
Feito oração na catedral
Não cuidamos do mundo
Um segundo sequer
Que noites de alucinação
Passo dentro daquela mulher
Com outros homens, ela só me diz
Que sempre se exibiu
E até fingiu sentir prazer
Mas nunca soube, antes de mim
Que o amor vai longe assim
Não foi você quem quis saber?



[Chico]


Mentira, tem sentido sim.

MAS PREFIRO NÃO COMENTAR!


15 de agosto de 2008

Completamente Blue

Como é triste a tua beleza
Que é beleza em mim também
Vem do teu sol que é noturno
Não machuca e nem faz bem

Você chega e sai e some
E eu te amo assim tão só
Tão somente o teu segredo
E mais uns cem, mais uns cem

Como é estranha a natureza
Morta dos que não têm dor
Como é estéril a certeza
De quem vive sem amor, sem amor

Mas tudo azul, tudo azul, tudo azul...

[Cazuza]

14 de agosto de 2008






Quero todo o teu espaço
e todo o teu tempo.
Quero todas as tuas horas
e todos os teus beijos.
Quero toda a tua noite
e todo o teu silêncio.

Mario Quintana

13 de agosto de 2008

Caio F[oda]. Abreu

Mas já não sou capaz de me calar, talvez dirás então, descontrolado, e um pouco mais dramático, porque meu silêncio já não é uma omissão, mas uma mentira. O outro te olhará com seus olhos vazios, não entendendo que teu ritmo acompanharia o desenrolar de uma paisagem interna, absolutamente não-verbalizável, desenhada traço a traço em cada minuto dos vários dias e tantas noites de todos aqueles meses anteriores, recuando até a data, maldita ou bendita, ainda não ousaste definir, em que pela primeira vez o círculo magnético da existência de um, por acaso banal ou pura magia, interceptou o círculo do outro.
No silêncio que se faria, pensas, precisarás fazer alguma coisa, como colocar um disco ou ensaiar um gesto, mas talvez não faças nada, porque ele continuará te olhando com seus olhos vazios. [...]
Mas indiferente à distância dele, quase violento, de repente queres violar com tua boca ardida de álcool e fumo essa outra boca a teu lado. Desejarás desvendar palmo a palmo esse corpo que tá tento tempo supões, até que as palma famintas de tuas mãos tenham percorrido todos os caminhos, até que tua língua tenha rompido todas as barreiras do medo e do nojo, tua boca voraz tenha bebido todos os líquidos, tuas narinas sugado todos os cheiros e, alquímico, os tenha transmutado num só, o teu e o dele, juntos - luz apagada, peças brancas de roupa cintilando, jogadas ao chão. Desejá-lo assim, a esse outro tão íntimo que às vezes julgas desnecessário dizer alguma coisa, porque enganado supões que tu e ele, vezenquando, sejam um só, te encherá o corpo de uma força nova, como se uma poderosa energia brotasse de algum centro longínquo, há muito adormecido, quem sabe dessa luz oculta, é então que sentes claramente que ele não é tu e que tu não serás ele, essa coisa, o outro, que mágico ou demoníaco, deliberado ou casual, te inflama assim, alucinando tua alma. Queres pedir a ele que, simplesmente sendo, te mantenha nesse atormentado estado brilhante para que possas iluminá-lo também com teu toque, com tua língua terna, com a vara de condão de teu desejo. Mas ele nada sabe, nem saberá se permaneceres assim, temeroso de que uma palavra ou gesto desastrados seriam capazes de rasgar em pedaços essa trama onde te enleias cada vez mais sem remédio, emaranhado em ti, em tua viva emoção, emaranhado no desconhecido de dentro dele, o outro - que no lado oposto do sofá cruza as mãos sobre os joelhos, quase inocente, esperando atento, educado, que de alguma forma termines o que começaste.
Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa de paixão, será surpreso que o olharás agora, porque ele nada sabe de tu próprio poder sobre ti, e neste exato momento poderias escolher entre torná-lo ciente de que dependes dele para que te ilumines ou escureças assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso negar-lhe o conhecimento desse estranho poder, para que não te estraçalhe impiedoso entre as unhas agora calmamente postas em sossego, cruzadas nas pontas dos dedos sobre os joelhos.
Ah: fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro o cheiro preciso dele.
Que não suspeitará de tua perdição, mergulhado como agora, a teu lado, na contemplação dessa paisagem interna onde não sabes sequer que lugar ocupas, e nem mesmo estás. Na frente do espelho, nessas manhãs maldormidas, acompanharás com a ponta dos dedos o nascimento de novos fios brancos nas tuas têmporas, o percurso áspero e cada vez mais fundo dos negros vales lavrados sob teus olhos profundamente desencantados. Sabes de tudo sobre esse possível amargo futuro. Sabes também que já não poderias voltar atrás, que estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, sejam quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar que essa porta a ser aberta agora, logo após teres dito tudo, te conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa.
Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado, acendes o abajur do canto da sala depois de apagar a luz mais forte. E começas a falar.

Desesperadamente.

Rita Lee tem ciúme
Paulinho da Viola tem ciúme
Simone de Beauvoir tinha ciúme
Jean-Paul Sartre tinha ciúme
Nelson Algren tinha ciúme
Minhas amigas têm ciúme
Woody Allen tem ciúme
Cazuza tinha ciúme
Cartola tinha ciúme
Todo homem chamado Agenor tem ou teve ciúme
Meus vizinhos,
os motoristas de táxi,
os bêbados da noite,
os padres e as prostitutas
todos,
todos têm ciúme
O marido de Madame Bovary e o de Luísa tinham ciúme
Bentinho se roía de ciúme, o pobre
Eu tenho ciúme, confesso.

POEMA DO CIÚME

kali

Se entre si rangerem aos trancos
Esses meus dentes francos
Ao verem a luz dos teus, rentes e brancos,

Se ao verem os teus olhos assim tão fulgentes,
Esses olhos meus em brilhos pungentes
Contra as pálpebras se apertarem
Num aperto demente

E se os lábios meus, num traço tangente,
Ao verem os teus em risos contentes
Um contra outro se morderem
Numa mordida latente,

Não será ódio, querida, creia,
Nem amor, querendo, descreia.
Será perda do que eu não tive,
Tua fuga de minha teia.

Será o mergulho no mar profundo
De um ser que bem que se quis assim tão fundo,
Ser fantástico que encantou,
Mas pesca arisca, escapou.
Um peixe quase inteiro, um mulher meia.

Não será a onda, mas a areia.
Não será o mar por onde agora vagueias,
Mas o deserto onde a ânsia serpenteia.
Não será ódio que incendeia,
Nem amor que me fogueia
Serão ciúmes, sereia.



SOFRO!

'O que dá pra rir dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida
O que dá pra rir dá pra chorar

No jogo se perde ou se ganha
Caminho que leva, que traz
Trazendo, alegria tamanha
Levando, levou minha paz'

Ombrinho de Cazuza.

Ciúme pode ser até supercriativo, um ciume que dê mais tesão. Pôxa, você vai lá, não fica comigo, qual é? Transou com outro, sacana... Faz-se uma ceninha rápida e, depois vem um puta tesão pra curtir mais a garota.

10 de agosto de 2008

De nada adianta ficar-se de fora.
A hora do sim é o descuido do não.
Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão.
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão.

7 de agosto de 2008

Cazuza.

...e ter ainda uma porrada de saques
e jogadas brilhantes: te ganho pela insistência
com todas as bandeiras e saltos mortais, demências
todos os modos de ter por enquanto
de te flechar feito flecha cega:
eu miro o índio que sou no teu ser
e alcança apenas pequenas viagens sóbrias
sem carnaval nem samba, é óbvio
óbvio que somos parecidos
nessa mania de se descartar rápido de tudo

quando me encargo de sintonizar a vida
e desligo rádios, carros e aviso:
se prepare porque hoje estou meio impreciso longe
e me doem entranhas, braço e cabeça

6 de agosto de 2008

O mau elemento

Eu olho pra sua tatuagem e pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo. Me encho de esperança e nada. Vem você e me trata tão bem. Estraga tudo.
Mania de ser bom moço, coisa chata.
Eu nunca mais quero ouvir que você só tem olhos pra mim, ok? E nem o quanto você é bom filho. Muito menos o quanto você ama crianças. E trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo. Colabora, pô. Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder.
E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom. E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir. E que segurar minha mão já basta. E que ele quer conhecer minha mãe. E que viajar sem mim é um final de semana nulo. E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca.
Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer? Me fazer feliz. Olha que desgraça. O moço quer me fazer feliz. E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável. E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer. Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema. O moço quer me fazer feliz. Veja se pode.
E aí passa a maior gostosa na rua e ele lá, idolatrando meu nariz. E aí o celular dele toca e ele, putz, perdeu a ligação porque demorou trinta mil horas pra desvencilhar os dedos do meu cabelo. Com tanto potencial pra me dar uns tapas, o moço adora me fazer carinho com a ponta dos dedos.
Não dá, assim não dá. Deveria ter cadeia pra esse tipo de elemento daninho. Pior é que vicia. Não é que acordei me achando hoje? Agora neguinho me trata mal e eu não deixo. Agora neguinho quer me judiar e eu mando pastar. Dei de achar que mereço ser amada. Veja se pode. Trinta anos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado com a coxa mais incrível do país e muda tudo. Até assoviando eu tô agora. Que desgraça.
Ontem quase, quase, quase ele me tratou mal. Foi por muito pouco. Eu senti que a coisa tava vindo. Cruzei os dedos. Cheguei a implorar ao acaso. Vai, meu filho. Só um pouquinho. Me xinga, vai. Me dá uma apertada mais forte no braço. Fala de outra mulher. Atende algum amigo retardado bem na hora que eu tava falando dos meus medos. Manda eu calar a boca. Sei lá. Faz alguma coisa homem!
E era piada. Era piadinha. Ele fez que tava bravo. E acabou. Já veio com o papo chato de que me ama e começou a melação de novo. Eita homem pra me beijar. Coisa chata.
Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá. Onde já se viu andar com um homem desses. O homem me busca todas as vezes, me espera na porta, abre a porta do carro. Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos. Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada. Depois de trinta anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex. Fala se tão de sacanagem comigo ou não? Como é que eu vou sofrer numa situação dessas? Como? Me diz?
Durmo que é uma maravilha. A pele está incrível. A fome voltou. A vida tá de uma chatice ímpar. Alguém pode, por favor, me ajudar? Existe terapia pra tentar ser infeliz? Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho. Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho.

[Tati Bernardi]
[...]Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.

[...]

Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.

A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.



[Martha Medeiros]

O amor acaba

Paulo Mendes Campos

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

5 de agosto de 2008

1 de agosto de 2008

Xico Sá sabe das coisas

[...]
mulher é metonímia, parte pelo todo -basta uma omoplata, um rádio, um perônio, um queixo, uns braços, uns pezinhos... para que nos apaixonemos.
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Ohn!

Uma mesa de 20mg.

Houve um tempo em que uma mesa de bar era formada por um comunista, um liberal, um existencialista e um niilista. Sento no boteco e olho ao meu redor: estou no meio de um bipolar, uma obsessiva-compulsiva, uma depressiva, um maníaco e uma amiga que se diz normal, muito normal, mas tem dez saquinhos de açúcar picotados à sua frente.

Se na velha mesa o assunto era o barbudo fumador de charutos, aqui também, só que aquele atendia por Fidel, e este, por Freud. Não há uma bunda nessa mesa que nunca tenha sentado num divã ou defecado algum resíduo de tarja preta, nem que tenha sido um lexontanzinho básico, tomado com o inocente intuito de curar um chifre ou uma demissão de emprego.

A desenvoltura com o tema é impressionante. Recomendam psiquiatras como se recomendassem restaurantes, analisando atendimento, preço e até localização, que a obssesiva-compulsiva julga ser fundamental, pois se acabar o remédio ela pode pegar a receita em cinco minutos e ir correndo para a farmácia. Ou melhor, saltitando, já que moça só consegue andar na parte preta da calçada. O bipolar concorda e conta que, graças à sua enfermidade, já ganhou do programa de recompensas da farmácia um liquidificador, uma batedeira e uma centrífuga; mais um pouco e tem um enxoval completo, o que não quer dizer muita coisa, já que ele também é gamofóbico (para os leigos: tem fobia de casamento).

A depressiva pede para mudar de assunto, pois seu diagnóstico é justamente a depressão pós-término. Depressão pós-quê? No meu tempo isso se chamava fossa e o tratamento consistia em chorar uma semana ao som de Gal Costa e depois sair dando para Deus e todo mundo, mas agora, com tanta alopatia por aí, quem precisa tirar a roupa e sair se divertindo para esquecer o ex?

Lembro com saudades do tempo em que eu perguntava aos meus amigos se eles tinham alguma parada e eles me passavam um baseadinho. O que recebo agora é uma fluoxetina, seguido de um “experimenta, a onda é boa, e você nem precisa se esconder no banheiro”. E eu lá preciso de remédio? Precisa sim, querida, uma pessoa que come todos os pastéis da mesa e depois chupa o caroço da azeitona só pode estar sofrendo de ansiedade crônica.

Não sei se estamos mais doentes, mais diagnosticados ou os dois. O que sei é que estamos mais individualistas e patologicamente corretos. Ninguém vai sair fazendo barricadas ou quebrando guitarras no palco, afinal esses são atos de violência gratuita, coisa de gente não analisada.

Folgo em saber que nossos heróis não vão morrer de overdose, só espero que não morram de letargia.

[Giovana Madalosso]