27 de outubro de 2009

Gosto.

Eu gosto de brigadeiro quente, de comida de mãe, de viajar de carro. Eu gosto de filme água com açucar domingo a tarde, gosto de House, gosto de Bethania. Eu gosto de respostas rápidas. Eu gosto de conversas por mensagem de celular. Eu gosto de cerveja gelada, de cotonete, de poesia. Eu gosto de enrolar na cama até o ultimo minuto, eu gosto quando não me atraso. Eu gosto de ballet contemporâneo, gosto de silêncio. Eu gosto de Klimt, de Monet e de Rembrandt. Eu gosto de sapatos. Gosto de óculos escuros, gosto de moda. Eu gosto de Cazuza, de Chico Buarque, de dicionários. Eu gosto de gatos. Eu gosto de livro velho. Eu gosto de andar descalça. Eu gosto de nutella pura, gosto de cheirinhos no pescoço, gosto de enrolar o cabelo entre os dedos. Eu gosto de mato. Eu gosto de carinho. Eu gosto de doçuras, gosto de delicadezas. Mas de tudo na vida, eu gosto mesmo é de você.

Ímpar ou ímpar

Pouco rimo tanto com faz
rimo logo ando com quando
mirando menos com mais
Rimo, rimas, miras, rimos
como se todos rimássemos
como se todos nós ríssemos
se amar (rimar) fosse fácil.

Vida coisa pra ser dita
como é fita este fado que me mata
mal o digo, já meu siso se conflita
com a cisma que, infinita, me dilata.

[Paulo Leminski]

26 de outubro de 2009

Soneto de Aniversário

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

[Vinícius de Moraes]

22 de outubro de 2009

existe?

— A glória é o aplauso dos pais, disse Propp, me dando um tapinha na bunda, e me impelindo para o salão, onde entrei sob cataratas de palmas, que agradeci comovido, até descobrir. Eram para Norma, que descia as escadas, lá vai ela deliciar os presentes com tudo o que cantava.
— Enfim, alguma coisa acontece nesta festa, ouvi uma senhora dizer ao meu lado, perua esticando o pescoço para a banda do vento donde vinha carne fresca.Nesse momento, o cheiro de coisa queimada, e senti como é duro o caminho até lá, até a sabedoria, se é que essa porra existe.


[Leminski in Agora é que são elas]

Amor nos três pavimentos

Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo que você quiser.

Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!... você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.

Se você quisesse!... até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você...

[Vinicius de Moraes]

21 de outubro de 2009

Me explica.

"Covardia é palavra feia. Receio de encarar a vida" (Caio sempre fala por mim). E casa perfeitamente com todas essas coisas mornas e instantes sem sentido que você anda vivendo (de novo! Depois de tudo!). E você me pede perdão! Eu poderia perdoar qualquer coisa. A falta de amor eu perdoaria, ninguém é obrigado a amar ninguém. Não se perdoa o que não se sente. Apenas é. Eu entenderia. Mas, perdoar um amor que diz sempre ter me esperado, um amor que me quis desde o primeiro momento, e que não luta por mim? Me diz, como faço isso?

[Aqui: http://precisotantoaproveitarvoce.zip.net/]

20 de outubro de 2009

Bagunça!

Mudando o template do blog.
Acostumem-se a bagunça até eu decidir o melhor e arrumar tudo direitinho.

Diqueeeenha

Meu níver tá chegando,
então vou ajudar a galera com uma lista de presentes!
=]

Ai, como sou boazinha.

Os primeiros itens são esses aí,
as coisinhas de onça da coleção de verão da Farm.

19 de outubro de 2009

Não querer e ter, não querer e não ter, querer e ter...

Ele está a meu lado. Então me olha sério, por um instante abalado, depois ri e diz: desista. Positivamente o cinismo não fica bem em você. E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre, eu também já li. Por que feri? Por que feriu? Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?

[Caio F.]

Sempre.

Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse "para onde estamos indo?" - não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: "estamos indo sempre para casa".

[Raduan Nassar - Lavoura Arcaica]

16 de outubro de 2009

Quero porque quero.


Coleção 2010 Manolo Blahnik.
Me explica esse scarpin de bolinha??! *_*

Comportamento Geral

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

[Gonzaguinha]

13 de outubro de 2009

Anotações sobre um amor urbano

O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos. Minhas mãos escorrem pelo teu peito. Alguma coisa então pára, todas as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver daqui. Olho no poço do teu olho, meia-noite em ponto. Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei, com medo, que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. O inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não esta completo sem o outro. Você me beija e eu me espalho pelos quatro cantos do quarto. Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra. Fico tosca e você se assusta com a minha boca faminta voraz de mendiga pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.


[Caio F.]

8 de outubro de 2009

Inferninhoastral

Mundo, mundo, vasto mundo...
Aceito rimas e soluções!

Não, eu não me canso de reler Clarice

— Por que é que você olha tão demoradamente cada pessoa?
Ela corou:
— Não sabia que você estava me observando. Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo.
Então estranhou-se a si própria e isso parecia levá-la a uma vertigem. É que ela própria, por estranhar-se, estava sendo. Mesmo arriscando que Ulisses não percebesse, disse-lhe bem baixo:
Estou sendo...
— Como? perguntou ele àquele sussurro de voz de Lóri.
Nada, não importa...

[Clarice Lispector in Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres]

7 de outubro de 2009

Epitáfio

Barcos ou não
ardem na tarde.

No ardor do verão
todo o rumor é ave.

Voa coração.
Ou então arde.

[Eugênio de Andrade]

Ponto fraco

Benzinho, eu ando pirado
Rodando de bar em bar
Jogando conversa fora
Só pra te ver
Passando, gingando
Me encarando
Me enchendo de esperança
Me maltratando a visão

Girando de mesa em mesa
Sorrindo pra qualquer um
Fazendo cara de fácil, é
Jogando duro
Com o coração, gracinha
Todo mundo tem um ponto fraco
Você é o meu, por que não?

[Cazuza]

Só saudade.

Hoje,
quase um ano depois da sua morte, quase consigo falar de você sem lágrimas.
Talvez, um dia,
eu consiga pensar em você sem esse nó na garganta, sem o grito que contive ao receber a triste notícia do seu acidente, sem a sensação de desespero e de impotência diante de Deus, dos fatos, do Tempo, da estrada...
Aqui,
a nossa vida segue,
gente se forma, gente se perde, gente se distancia, gente se aproxima.
Essa história de ser adulto me assusta tanto,
e sem você aqui me assusta mais. Porque do seu lado, as coisas, de uma forma ou de outra, tornavam-se mais justas e mais doces.

Você foi uma pessoa ímpar,
gosto de pensar que ainda é.

Há um ano o mundo perdia alguém iluminado,
e não cabe a nós questionar sua partida.
Há um ano o mundo ficou mais feio,
menos justo,

silencioso.

A saudade engole minhas palavras.
É o que sinto.

Word of the day...

Sofisma:
S. m.
1. Lóg. Argumento aparentemente válido, mas, na realidade, não conclusivo, e que supõe má-fé por parte de quem o apresenta; falácia, silogismo erístico.
2. Lóg. Argumento que parte de premissas verdadeiras, ou tidas como verdadeiras, e chega a uma conclusão inadmissível, que não pode enganar ninguém, mas que se apresenta como resultante das regras formais do raciocínio; falácia.
3. P. ext. Argumento falso formulado de propósito para induzir outrem a erro
4. Bras. Pop. Engano, logro, burla, tapeação.

6 de outubro de 2009

Clarice diz:

Eu gosto um pouco de mim porque sou adstringente. E emoliente. E sucupira. E vertiginosa. Estrugida. Sem falar que sou bastante extrógina. Atirei o pau no gato-to-to mas o gato-to... Meu Deus, como sou infeliz. Adeus, Dia, já anoitece. Sou criança de domingo.

5 de outubro de 2009

Onírico

Do outro lado, onde com os olhos abertos ela vê com os olhos fechados e inteiramente nua, encostada ao ombro dele, que dorme inteiramente nu também, mas a vê-la dentro do sono.
Arfam levemente os dois. Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege seguro. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá.
E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu.
E isso ninguém roubará, repete-se, mesmo levando em conta todos aqueles meses de enganos vis que continuam e continuarão a vir depois daquele sonho.
Eu te amo, repete sozinha para o escuro toda noite, pouco antes de seu corpo dissolver-se na espuma do sono, eu te amo.

[Caio F.]

é, porque é.

E SE NÃO É,
TINHA TUDO PRA TER SIDO.
E SE TINHA TUDO PRA TER SIDO,
ENTÃO, FICA SENDO.


[do filme Narradores de Javé]

2 de outubro de 2009

Subvertendo

LEMBRO-ME DO impacto que o livro “Morro dos Ventos Uivantes”, de E. Bronte, teve em mim. Amantes que nem a morte foi capaz de curar a paixão infernal de um pelo outro. Vi as versões que o livro teve no cinema inúmeras vezes. Dormi noites inteiras com Catherine Earnshaw Linton (heroína do romance). Esta é a forma de imortalidade em que acredito, não a do paraíso raso das belas almas.
As irmãs Bronte são parte do período romântico (século 19), a primeira ressaca com a modernidade. Almas rasgadas pela nostalgia do mundo perdido, atormentadas por um passado transformado em fantasma. Feitas da mesma matéria das sombras, andam nuas pelas ruas de uma Europa dilacerada pelo espólio das guerras napoleônicas. Almas acuadas pelo materialismo científico nascente vingam-se na forma de assombração.
A alma romântica habitando um corpo moderno enfrentará o mundo devastado pela arrogância idiota dos modernos, pela objetividade morta da ciência, pelo niilismo do dinheiro, pela certeza cética da inutilidade da verdade. Em uma palavra, será uma exilada.
Guardo uma certa simpatia pelo romantismo. Dirá o leitor: “Já suspeitava disso”. Por isso, delicia-se o leitor, minha incapacidade de lidar com um mundo onde as pessoas “escolhem tudo o tempo todo”. Suspeito da mentira que cala fundo neste blábláblá da escolha livre de tudo. Todavia, não se engane o leitor que gargalha em seu sofá cercado pela vitória definitiva da arrogância idiota dos adolescentes, da inércia burocrática, da objetividade do dinheiro, do cinismo histriônico e do ceticismo chique.
Românticos aprendem a falar a língua do mundo banal. Se você o encontrar num desses jantares inteligentes, o confundirá com a espécie mais cínica de pós-moderno que é possível imaginar. Ele rirá do amor, defenderá bebês fabricados pela indústria farmacêutica, afirmará a vitória do relativismo elegante de quem sempre viaja de primeira classe, enfim, ele manipulará, como quem manipula vermes, os códigos da vida devastada.
Não esqueça, caro leitor, que o romântico não é propriamente um idiota nostálgico, o romântico é um sobrevivente, sente-se como uma espécie caçada, um mutante que já nasceu num habitat hostil. Às vezes, esse tipo de ser é mais perigoso do que você, que ri tranquilo, cercado pela crença boçal de que o mundo seja seu. Os melhores entre eles aprenderam a dissimular a lágrima, mudar de assunto, fazer uma piada inteligente, fechar a porta do quarto. Quem se sabe desde o inicio derrotado, detém uma forma de poder invisível que o torna perigoso, justamente porque não combate pela vitória, mas sim porque sua natureza é não ter futuro.
Mas combateria por quê?” Pergunta típica da fraqueza que move os vencedores. Resistir é nesta alma uma primeira natureza. Talvez combatam porque esta seja a natureza de quem já nasceu num mundo que não é seu ou porque não conheça outra forma de se comportar num mundo onde há muitas esperanças, mas não para eles. Todo cuidado é pouco diante de quem não tem nenhuma expectativa.
Não há como mudar a máquina que põe em movimento o mundo moderno: a ciência é sua fé, a estupidez burocrática é parte essencial da inteligência administrativa, a velocidade do dinheiro é mola motora das relações, o controle crescente da respiração é destino numa sociedade que nada mais é do que a geometria das utilidades. O desencanto do romantismo é uma forma de inteligência sem função. O romântico é uma espécie de contradição insolúvel no progresso definitivo da vida calculada. São caçados como uma praga. E com razão: são inimigos de uma vida perfeita. Diante deles, babamos como predadores famintos.
O desafio para um romântico é aprender a lidar com suas sensações num mundo em que elas não significam nada. Mas, a chave é perceber que nos momentos em que elas se tornam incontroláveis, ele deve correr para a escuridão, porque românticos são animais da lua e não do sol, se alimentam da sombra.
Quando Fernando Pessoa diz que “se o coração pensasse, pararia de bater”, é do coração romântico que ele fala. Ao encontrá-lo, devemos ter por ele o respeito que merecem as espécies em extinção.
Espero que esta coluna de hoje seja a menos lida. Quem a ler, esqueça-a, jogue fora. Se encontrar comigo em algum lugar, não me pergunte sobre ela. Não a discutirei em público, trate-a como um segredo que você tem entre as mãos.

[Luiz Felipe Pondé, Folha de S. Paulo do dia 20 de Julho]

1 de outubro de 2009

A moça que chorava no metrô

Uma das grandes vantagens das mulheres sobre nós é a coragem, o destemor, de chorar em público. Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços,pobres moços... Não guardam as lágrimas para depois, como sempre adiamos, não levam as lágrimas para chorar escondidos em casa.

Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança. As mulheres não, falo da maioria das moças, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente choram.

Como invejo as lágrimas sinceras das fêmeas.

Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em cachoeira, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.

Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama heavy metal da existência. Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.

Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares... e chorarem um atlântico diante de uma alma perra, de uma alma cachorra, de alma vira-lata e sem cuidados, essa é a grandeza.

Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nos busões, nas malocas, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros. O medinho do macho diante do pênalti que vale uma vaga no torneio da dignidade.

Triste dos que acham que não levam a sério, que tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece. Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o sal da vida sobre os olhos, romanticamente, sem medo de ser ridículo, brega, cafona, São Waldick nos proteja, amém.

Coitados dos que escondem suas lágrimas

Acabei de testemunhar uma dessas lindas e corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista, aqui entre a Consolação e o Paraíso, as estações que nos separam.

Por que chorava aquela moça?

Sempre acho que todo choro é ou deveria ser por amor, que me perdoem a pobre rima antiga com a dor.

Uma grande dívida nunca nos põe a chorar de verdade. Por um familiar, choramos diferente. Desemprego? Não. Se não teríamos um Tietê, um Capibaribe, um Paraíba, um São Francisco a cada segunda-feira, cada esquina, lágrimas que manchariam a tinta dos classificados e seus quadradinhos lógicos, portas na cara, quem sabe da próxima, projeto ilusões perdidas...

A moça não escondia os soluços do choro. Terá discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora. Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngüe, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas belas”.

Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria visto o casamento pelo binóculo do sr. Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres?

A moça que chorava no metrô sabia que o amor é como as estações da avenida Paulista, começa no Paraíso e termina na Consolação.


[Xico Sá]