30 de abril de 2009

Bastante

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

[Paulo Leminski]

29 de abril de 2009

Sobre toda estrada, sobre toda sala...

Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em sê-lo, porque temo que o meu ciúme magoe o outro e porque me deixo dominar por uma banalidade. Sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum.

[
Roland Barthes]

26 de abril de 2009

OITAVO FRAGMENTO DA DÉCIMA TERCEIRA VOZ

Sempre virá. A solidão não existe. Nem o amor. Nem o nojo. Odeio quando te enganas assim, girando entre aspanelas. A vida é agora, aprende. Ainda outra vez tocarão teus seios, lamberão teus pêlos, provarão teus gostos. E outra mais, outra vez ainda. Até esqueceres faces, nomes, cheiros. Serão tantos. O pó se acumula todos os dias sobre as emoções. São inúteis os panos, vassouras, espanadores. Tenho medo de continuar. E não suportaria parar, ondas de lemanjá. Vês como evito pedir ajuda? Vieram da noite, eram muitos, assim compreendes? Talvez mais que doze, muito mais, incontáveis todos esses doze, já faz tempo. Às vezes sonho com eles. Com todos. Com quem nem conheço. Por um momento, cede. Fecha os olhos. Chafurda, chapinha. Afunda o rosto, solta a língua. Lambe os orifícios. Deixa a baba escorrer. Geme, cadela no cio. Como um macaco, acaricia teus próprios colhões. Estende tua pata peluda para o Outro, delicadamente. Cata os piolhos do Outro. Deixa que catem os teus. Esmaga entre os dentes, engole. Fala-me do gosto.

[Caio Fernando Abreu]

24 de abril de 2009

23 de abril de 2009

Word of the day...

Apêndice:
[Do lat. appendice.]
S. m.
1. Parte anexa ou acrescentada a uma obra; acréscimo, anexo, acrescentamento.
2. Anat. Parte acessória dum órgão, ou que lhe é contínua, porém distinta pela sua forma ou posição; apêndix.
3. Anat. V. apêndice ileocecal.
4. Bot. Designação de qualquer parte saliente, quase sempre curta e estreita, e de importância secundária, de um órgão ou parte da planta. [As anteras muitas vezes têm apêndices.]

21 de abril de 2009

Sofro ad infinitum

'Eu um dia tenho que te agradecer por ter sido tão doce comigo. Tão doce justo quando a coerência previa a frieza. Eu um dia tenho que te agradecer por ter se educado sozinho na semântica do meu vocabulário e ter me surpreendido com a pronúncia das minhas próprias palavras. Eu um dia tenho que te agradecer pela delicadeza e pela intensidade, talvez na única vez na minha vida que eu estava preparada e esperando a aspereza. Eu um dia tenho que te agradecer por você ainda não ter me contado aquela tua verdade. Porque assim eu posso fingir que não sei e me permito viver mais uns dias nessa nossa cápsula hermética de felicidade-mentirinha.'

20 de abril de 2009

Necrológio dos desiludidos do amor

Os desiludidos do amor

estão desfechando tiros no peito.

Do meu quarto ouço a fuzilaria.

As amadas torcem-se de gozo.

Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,

escreveram cartas explicativas,

tomaram todas as providências

para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.

Eu vou, tu ficas, mas nos veremos

seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia

dos desiludidos que se mataram.

Que grandes corações eles possuíam.

Vísceras imensas, tripas sentimentais

e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério

levar os corpos dos desiludidos

encaixotados competentemente

(paixões de primeira e segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,

sem coração, sem tripas, sem amor.

Única fortuna, os seus dentes de ouro

não servirão de lastro financeiro

e cobertos de terra perderão o brilho

enquanto as amadas dançarão um samba

bravo, violento, sobre a tumba deles.


[C.D.A.]

15 de abril de 2009

Caio Fernando Loureiro de Abreu.

Mas só muito mais tarde, como um estranho flash-back premonitório, no meio duma noite de possessões incompreensíveis, procurando sem achar uma peça de Charlie Parker pela casa repleta de feitiços ineficientes, recomporia passo a passo aquela véspera de São João em que tinha sido permitido tê-lo inteiramente entre um blues amargo e um poema de vanguarda. Ou um doce blues iluminado e um soneto antigo. De qualquer forma, poderia tê-lo amado muito. E amar muito, quando é permitido, deveria modificar uma vida – reconheceu, compenetrado. Como uma ideologia, como uma geografia: palmilhar cada vez mais fundo todos os milímetros de outro corpo, e no território conquistado hastear uma bandeira. Como quando, olhando para baixo, a deusa se compadece e verte uma fugidia gota do néctar de sua ânfora sobre nossas cabeças. Mesmo que depois venha o tempo do sal, não do mel.

Tati diz:

Quanto nome o mundo inventa. Pra quê? É tudo pinto. Absolutamente tudo. E o que não é, é a falta dele. O que não é sexo, é o oposto do sexo. E aí volta duas vezes mais forte. Tipo nosso não estar. O castrado da vida.

Listinha

.Ainda bem que o amor existe, sem ele a vida seria um saco
.Muito ovo de páscoa dá dor de barriga, e não há nada pior do que dor de barriga fora de casa
.A Semana é Santa só no nome
.Internet lenta e nada dá na mesma
.Problemas com auto-estima? Corpete victorias secret
.Problemas em abandonar o hífen? Ignore a reforma ortográfica
.Lingüiça sem trema não deve ter o mesmo gosto
.Muita atenção, meus senhores: Nem tudo é poesia!
.Filhos de olhos verdes exigem bastante esforço
.Ex-bailarinas não deveriam engordar
.Melhor que isso, não deveria existir ex-bailarina
.Espelho, espelho meu, existe alguém com amigas mais ciumentas do que eu?
.Nunca subestime a visão periférica de uma mulher, nunca
.Irmão mais novo é doce até azedar
.Pais poderiam vir equipados com botão on/off

.Já diziam os sábios caminhoneiros, a inveja é uma merda!
.Internet e absorvente sem abas não dá
.Miopes escutam mal, sem óculos então...
.Quem precisa de Twitter quando se tem um blog?
.Ninguém está só quando se tem uma estante cheia de livros
.Telefones não têm coração, mas adoram sacanear na hora de acabar a bateria
.Blush e rímel são essenciais para o bem estar de qualquer ser humano
.Ciúme = Paranóia
.Pepino = Melão
.Nada mais romântico do que passar cotonete no ouvido do outro
.Clarice Lispector ou House? Quem se aproxima mais de Deus?
.Abençoado seja o inventor do fone de ouvido
.Consciência estética e criatividade não se compra, a gente paga pra quem tem

Elegiazinha

Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
— se somem — é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.


[ASCHER, Nelson. Parte alguma.]

8 de abril de 2009

I don't wanna close my eyes.

Eu não sou fácil de aguentar. Mas tem alguma coisa no seu sorriso que aniquila meu mau humor, alguma coisa no seu cheiro que me dá vontade de transar a vida inteira, e alguma coisa no seu jeito que me faz querer ser uma pessoa melhor e mais fácil de lidar.
Ontem eu chorei depois que transamos. Você não viu, eu sei, e não era pra ver. Foi um choro baixinho pra nem você, nem Deus ouvir. Não era tristeza, mas era algo próximo do medo. Medo de fazer algo errado, de atropelar seus momentos com meu egoísmo, de falar demais, de falar de menos, de não saber o que dizer quando você precisar de mim. Porque eu preciso muito de você, e faço disso a motivação para o meu exercício diário de te ganhar.
E dia após dia eu me percebo melhor, mais solicita, mais centrada. Sua paciência comigo nos permitiu muito mais do que eu jamais imaginei ter um dia, suas palavras e sua atenção me amoleceram e hoje eu sou, no mínimo, uma pessoa muito mais doce do que há um ano atrás.
Ontem chorei depois que transamos, mas fiquei muda, concentrada na sua respiração até me acalmar. Não quis estragar o momento em que o silêncio é mais importante que qualquer declaração de amor. Não é preciso falar de cumplicidade quando dois corpos se entregam à exaustão. Fiquei quietinha até você pegar no sono.
E enquanto você dormiu eu sonhei com um futuro lindo pra nós dois.

7 de abril de 2009

Vou decorar isso.

"Bom, para começo de conversa", comecei, ainda lhe apresentando um sorriso ameno e tranqüilizador, "você é um canalha e sabe disso. Tem medo de alguma coisa, ainda não sei do quê, mas vamos chegar lá. Comigo, você faz de conta que é simplório, um joão-ninguém, mas de si para si tem-se na conta de muito esperto, de importante, de durão. Não tem medo de coisa alguma, não é mesmo? Tudo conversa fiada, e você sabe muito bem. Vive cheio de medo. Diz que agüenta. Agüenta o quê? Um murro no queixo? Claro que agüenta, com uma cara de concreto feito a sua. Mas será que agüenta a verdade?"

[Henry Miller]

2 de abril de 2009

Decálogo do boêmio

1) É de bom-tom sempre guardar o nome dos garçons, afinal de contas é no ombro deles que vais chorar, ao som de “Nervos de Aço”, a inevitável, acachapante e humaníssima dor de corno.

2)Na saúde e na doença, a culpa será sempre do tira-gosto, ah, aquela calabresa, aquele torresmo, aquela azeitona me fez mal à beça... Jamais a culpa será da cachaça ou do uísque.

3)Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, seqüência; se você a larga por uns dias, ela te pega na volta, mesmo que peças,suplicante, a tua nova inscrição.

4)A divisão do tempo da prosa, na mesa de um bar, deve obedecer ao seguinte critério: 50% sobre mulheres,40% sobre futebol e 10% sobre as ressacas monstruosas, a nostalgia precoce das quedas. E que venham as próximas.

5) Procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se possível na calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa, revoltada com o consorte, e diz assim: “Hoje eu vou dar para o primeiro que encontrar”. Se bem colocado, este primeiro serás tu, bravo boêmio.

6) Direito máximo do consumidor boêmio: desde que o freguês não se incomode com água e sabão nos pés, poderá ficar no recinto até a descida do portão de ferro.

7) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de cinco anos de casa, como reza a lei do usucapião.

8) Meu bar/meu mar... É permitido nadar no seco.

9)Andem sempre com o endereço e os seus nomes completos pendurados na correntinha do pescoço.

10) No país da impunidade, a saideira é como a lei, existe para ser desobedecida. Seu garçom faça o favor!!! Mais uma!!!


[Xico Sá]

1 de abril de 2009

Longe, longe, longe, aqui do lado...

Como você sabe, dirás feito um cego tateando, e dizer assim, supondo um conhecimento, faria quem sabe o coração do outro adoçar um pouco até prosseguires, mas sem planejar, embora planejes há tanto tempo, farás coisas como acender o abajur do canto depois de apagar a luz mais forte , criando um clima assim mais íntimo, mais acolhedor, que não haja tensão alguma no ar, mesmo que previamente saibas do inevitável das palmas molhadas de tuas mãos, do excesso de cigarros e qualquer coisa como um leve tremor que, esperas, não transparecerá em tua voz. Mas dirás assim, por exemplo, como você sabe, sim você sabe, a gente, as pessoas, infelizmente têm, temos, essa coisa, emoções, mas te deténs, infelizmente? O outro talvez perguntaria por que infelizmente? Então dirás rápido, para não desviar-te demasiado do que estabeleceste, qualquer coisa como seria bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas as pessoas, têm, temos - emoções. Meditarias: as pessoas falam coisas, e por detrás do que falam há o que sentem, e por detrás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra...

[Caio F. Abreu]