27 de outubro de 2008

Bom dia!

Meu amor às vezes é tão sensível que só vendo. Bebe mingau de sonhos na mamadeira que lhe esquento, aí dorme, desaba, descamba... e me deixa falando sozinho com as janelas abertas, mal engole o chá de paisagem que lhe preparo com ajuda de vagabundos impressionistas.

[Xico Sá]

24 de outubro de 2008

Acabo de me associar ao Clube Rubem Braga, aqueles que preferem o silêncio ao excesso de explicações [ou às desculpas esfarrapadas].
Não-deu-e-ponto-final.

Please don't try, is so hard to say goodbye...

[...]
I drove for miles and miles
And wound up at your door
I've had you so many times
But somehow, I want more

I don't mind spending everyday
Out on your corner in the pouring rain
Look for the girl with the broken smile
Ask her if she wants to stay awhile
And she will be loved

Tap on my window, knock on my door
I want to make you feel beautiful
I know I tend to get so insecure
It doesn't matter anymore

It's not always rainbows and butterflies
It's compromise that moves us along
My heart is full and my door's always open
You can come anytime you want
.
[...]

23 de outubro de 2008

Um tratado seríssimo por um mundo melhor

Trepai-vos, irmãos


Cresci com a minha mãe dizendo que mulher que só pensa em sexo não é coisa boa. Tantos livros para ler, tantas contas para pagar, tanta tristeza e violência no mundo, tanta coisa séria para pensar...Sinto muito, mamãe. Mas acho que vou te decepcionar. Sabe, fiz uma recapitulação da minha vida e descobri que, apesar de tudo, não passei um segundo da minha existência pensando em outra coisa.
Eu nunca comecei cursos ou empregos novos verdadeiramente motivada pelos desafios de uma carreira ou de salários melhores. O que sempre me impulsionou era a pergunta: aqui tem um bom número de homens para quem eu daria? Não? Então não quero. Não que eu fosse dar para todos. No final das contas, apesar de eu adorar a minha personagem que vende o oposto, acabo não dando pra ninguém ou quase ninguém. Mas não há nada melhor do que estar em um ambiente onde isso poderia acontecer. E que atire a primeira pedra o ser humano que não pensa assim. Juro que não é promiscuidade, é apenas a natureza. Sexo é a melhor coisa da vida e ponto final. Quando acabam as chances dele acontecer, partimos para outros ares. Os homens compram carros maiores, as mulheres peitos maiores. Eu simplesmente mudo de emprego ou turminha de amigos. Mas a verdade é que estamos todos pensando em sexo. Até um filme interessante é ainda mais interessante quando alguém quer transar com você porque você achou o filme interessante.
Existe fazer a mala feliz se você não tiver ao menos uma esperançazinha de fazer sexo no lugar para onde está indo? Existe acordar cedo para uma reunião, pegar o maior trânsito do mundo, se arrumar minimamente bem, se você não está interessada em fazer um “meting” com alguém desse “meeting”? Sejamos sinceros. Claro, não sou homem e na maioria das vezes, apesar de eu me odiar infinitamente por isso, me apaixono. E sempre imagino o desejado da vez me esperando de gravata borboleta no altar. Sou bobinha. Mas que apesar de tudo isso, eu gosto de dar, e só penso nisso. Ah, isso é verdade.
Não consigo ser séria. Certa vez um grupo de amigos me perguntou se eu gostaria de ajudá-los fazendo propaganda sem fins lucrativos para algumas ONGS. Num primeiro momento pensei: trabalhar de graça nem a pau. Depois fui na primeira reunião e constatei: bom, dos sete caras que estão no projeto, eu daria para quatro! Topei na hora e nunca fui tão engajada. Teve uma outra vez também que duas agências de propaganda estavam disputando a minha contratação. Escolhi a que ia me pagar infinitamente menos mas tinha o chefe mais gostoso. Claro! Dinheiro é bom, mas sem sexo não vale de nada.
E sorte de quem tem uma boa vida sexual associada a um amor verdadeiro. Essa soma sim é a verdadeira busca da vida. Que caminho de Santiago que nada. Que meditar em cima de uma montanha que nada. Já viu alguém que está super feliz no amor e trepando alucinadamente sumir para encontrar seu verdadeiro eu? Isso é coisa de quem ta na seca ou acabou de levar um pé na bunda. Entre um belo corpo nu e um tronco, só um babaca vai preferir trocar energias com a árvore. O último retiro espiritual que me meti só não morri porque pegava o canal Playboy na televisão do quarto.
Mas sabe, mãe. Eu não acho que meu prazer seja tão egoísta quanto você pensa. Eu lembro que uma vez estava caminhando na praia e vi uma bolinha de frescobol atingir uma gordinha mal humorada. Ela esbravejou. Ameaçou bater no moleque. Tocou o terror. E o pai do garotinho, que estava jogando frescobol com ele, apenas gritou: “a senhora não goza não?” Adorei aquilo. Acho que a violência nada mais é que o desejo sexual reprimido. Nada me tira da cabeça que se todos transassem loucamente o mundo seria infinitamente menos louco.


[Tati Bernardi]


PAGUEI PAU!

Vai...

Vai, vai viver seu samba. Roendo da utopia o toco, essa vela sem chama. Estou escuriço, pelado e só, menos que bicho. Apodreci a messe, desprezei o óbolo, é que quem carrega amor, só pena. Ternura-tormenta, e tu, tu és a pinça-nervos, bisturi-brasa na minha perrenguice. Mas se aquiete, já me resignei, dói de todo jeito. Não doa, só quer. Ordena o máximo, pois que manda. Solidão é surra – entope! Tu, pinça-nervos, grita e tudo aperta e me abarca. Pensa que hiperbolizo? Olha, meu desejo enfado é a recusa-ritmo, o bi-étimo, essa pluri-repetição, o minimalismo maléfico. [...]

Já tentou esquecer o seu câncer? Ódio-impotência. Das impossibilidades que geram vaziez. O verbo? Olvidar. Não mais o mimo de um nicho no sótão da memória. Apagar aquele setembro e demais insanidades. Esconjuro-te! Toda dor viva e sentida, toda cremação, agoniza, agoniza; todo desespero cegante, decapita; olha, Ana, não devias ser, sonho fabricado pelo doentio que me sufoca desde menino; nada és! Nada és! Imaginada te manufaturei. Olha, Ana, tentarei esquecer, negar esquecimento não me será dado jamais. Vai, vai viver seu samba, meu drama, vai viver sem mim.


[João Filho]

22 de outubro de 2008

À Beira do mar aberto.

[...]
e tão dissimulado te espio que nunca me percebes assim, te devassando como se através de cada fiapo, de cada poro, pudesse chegar a esse mais de dentro que me escondes sutil, obstinado, através de histórias como essa, do mar, das velhas tias, das iniciações, dos exílios, das prisões, das cicatrizes, e em tudo que me contas pensando, suponho, que é teu jeito de dar-se a mim, percebo farpado que te escondes ainda mais, como se te contando a mim negasses quase deliberado a possibilidade de te descobrir atrás e além de tudo que me dizes, é por isso que me escondo dessas tuas histórias que me enredam cada vez mais no que não és tu, mas o que foste, tento fugir para longe e a cada noite, como uma criança temendo pecados, [...] prometo a mim mesmo nunca mais ouvir, nunca mais ter a ti tão mentirosamente próximo, e escapo brusco para que percebas que mal suporto a tua presença, veneno, veneno, às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar por inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios, torno sempre a voltar, talvez penalizado do teu olho que não se debruça sobre nenhum outro assim como sobre o meu, temendo a faca, a pedra, o gume das tuas histórias longas, das tuas memórias tristes, [...] tornarei sempre a voltar porque preciso desse osso, dos farelos que me têm alimentado ao longo deste tempo e choro sempre quando os dias terminam porque sei que não nos procuraremos pelas noites, quando o meu perigo aumenta e sem me conter te assaltaria feito um vampiro faminto para te sangrar enquanto meus dentes penetrando nas veias de tua garganta arrancassem do fundo essa vida que me negas delicadamente, de cada vez que me procuras e me tomas, contudo me enveneno mais quando não vens e ninguém então me sabe parado feito velho num resto de sol de agosto, escurecido pela tua ausência, e me anoiteço ainda mais e me entrevo tanto quando estás presente e novamente me tomas e me arrancas de mim me desguiando por esses caminhos conhecidos onde atrás de cada palavra tento desesperado encontrar um sentido, um código, uma senha qualquer que me permita esperar por um atalho onde não desvies tão súbito os olhos, onde teu dedo não roce tão passageiro no meu braço, onde te detenhas mais demorando sobre isso que sou e penses que sabe que se aceito tuas tramas, e vomitas sobre mim, e depois puxa a descarga e te vais, me deixando repleto dos restos amargos do que não digeriste, mas mesmo assim penses que poderias aceitar também meus jogos, esses que não proponho, ah detritos, mas tudo isso é inútil e bem sei de como tenho tentado me alimentar dessa casca suja que chamamos com fome e pena de pequenas-esperanças, [...] recomponho sozinho um por um dos teus traços, dos teus pêlos, para que quando esses teus olhos escuros e parados como as águas do mar de inverno na praia onde talvez caminhes ainda, enquanto me adentro em gumes, resvalaram outra vez pelos meus, que seu fio esteja tão aguçado que possa rasgar-te até o fundo, para que te arrastes nesse chão que juncamos todos os dias de papéis rabiscadas e pontas de cigarro, sangrando e gemendo, a implorar de mim aquele mesmo gesto que nunca fizeste, e nem sempre sei exatamente qual seria, mas que nos arrancasse brusco e definitivo dessa mentira gentil onde não sei se deliberados ou casuais afundamos pouco a pouco, bêbados como moscas sobre açúcar, melados de nossa própria cínica doçura acovardada, contaminado por nossa falsa pureza, encharcados de palavras e literatura, e depois nos jogasse completamente nus, sem nenhuma história, sem nenhuma palavra, nessa mesma beira de mar das costas da tua terra, e de novo então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim, eu digerindo faminto o que teu corpo rejeita, bebendo teu mágico veneno porco que me ilumina e me anoitece a cada dia, e passo a passo afundo nesse charco que não sei se é o grande conhecimento de nós ou o imenso engano de ti e de mim, nos afastamos depois cautelosos ao entardecer, e na solidão de cada um sei que tecemos lentos nossa próxima mentira, tão bem urdida que na manhã seguinte será como verdade pura e sorriremos amenos, desviando os olhos, corriqueiros, à medida que o dia avança estruturando milímetro a milímetro uma harmonia que só desabará levemente em cada roçar temeroso de olhos ou de peles, os gelos, os vermes roendo os porões que insistimos em manter até que o não-feito acumulado durante todo esse tempo cresça feito célula cancerosa para quem sabe explodir em feridas visíveis indisfarçáveis, flores de um louco vermelho na superfície da pele que recusamos tocar por nojo ou covardia ou paixão tão endemoniada que não suportaria a água benta de seu próprio batismo, e enquanto falas e me enredas e me envolves e me fascinas com tua voz monocórdia e sempre baixa, de estranho acento estrangeiro, penso sempre que o mar não é esse denso escuro que me contas, sem palmeiras nem ilhas nem baías nem gaivotas, mas um outro mais claro e verde, num lugar qualquer onde é sempre verão e as emoções limpas como as areias que pisamos, não sabes desse meu mar porque nada digo, e temo que seja outra vez aquela coisa piedosa, faminta, as pequenas-esperanças, mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba assim nem agora nem aqui.

[C.F.A.]

A perda.

No templo há uma poesia chamada “A Perda”, entalhada na pedra.
Ela consiste de 3 palavras que foram rasuradas pelo poeta.
Não se pode ler “A Perda”.
Só senti-la.

[in Memórias de uma gueixa]


Sim,
ainda dói.

Sempre é pouco quando não é demais.

Interrompia a cada tanto o que estivesse fazendo para ligar para ela, e insisti dias inteiros até compreender que aquele telefone não tinha coração.

[Gabriel Garcia Marques em Memórias de minhas putas tristes]

21 de outubro de 2008

Mudam...

Estamos agora como nunca estivemos antes,

Entre carinhos e arranhões exercitamos a nossa

paciência com o futuro.

Conscientes de nós mesmos, a vodca torna-se cada vez mais rara.

Já faz uns dias que escolhemos estar embriagados apenas das grandes doses do nosso cheiro.



20 de outubro de 2008

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar-se inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele e nós.

[Clarice Lispector, in O Nascimento do prazer]

16 de outubro de 2008

Meu namorado, Doctor House.

Eu decidi que tô namorando o doutor Greg House, aquele com cara de “adoro sexo mas sou arrogante demais pra fazê-lo” que passa todo dia as oito da noite no canal 43. Menos as sextas. E sábados. E domingos. Como todo péssimo namorado, ele tem mais o que fazer da vida nesses dias.
Já que a vida inteira namorei rapazes que não me namoravam e fui namorada de rapazes que jamais namorei, resolvi namorar o House e fim de papo. Comprei um estoque de Vicodim e um apartamento em andar baixo. Tudo pensando nele.
O House pode tudo. Ele pode me dizer que meu cabelo era infinitamente melhor mais curto e mais claro. Ele pode me dizer que eu fico infinitamente mais bonita com uns cinco quilos a mais. Ele pode reclamar que eu cortei a malhação por falta de grana e paciência. Ele pode reclamar da queda hormonal e da minha mania de viver caindo. Ele pode rir da minha vontade de escrever novela ou qualquer outra coisa popular que me encha de dinheiro para eu poder escrever livros quieta ouvindo Nina Simone, da minha mania de cantar Maroon 5 e do fato de eu escrever tudo em primeira pessoa porque, de verdade, acho um saco qualquer outra coisa do planeta que não passe aqui por dentro. E o House super passa, em meus sonhos.
Quando vai dando sete e meia da noite (ahhh, a falta do que fazer, já tem uma semana que não aparece um bom freela ou um bom sei lá o quê) tomo meu banho. Passo meus cremes. Coloco uma roupinha pra ele. Me tranco no quarto, no escuro. Vou passar os próximos sessenta minutos vendo vômitos, sangue, paradas cardíacas, berebas purulentas e a famosa “lombar punction”. Mas meu coração não entende nada como desgraça, a não ser a óbvia desgraça do amor.
Todos os dias eu acho que vou morrer. E todos os dias ele descobre mil coisas pra não deixar. Porque quase nunca se morre nas mãos dele. E todos os dias ele me magoa terrivelmente com sua amargura e inteligência. E eu deixo porque não tem nada mais sexy do que gente que te odeia. Namorar quem tá cagando pra você, então, é o auge do sexy. Por isso eu namoro o House.
Nós nunca vamos casar, ele nunca vai conhecer meus pais e eu sei que divido o seu amor com as garotas pagas. Não tem ilusão, não tem meiguices, não tem roupinha rosa com babados. É preto no branco. É sofrimento puro. É o pior namoro do mundo. Mas como diria minha mãe “quando essa menina decide uma coisa...”

[Tati Bernardi]

15 de outubro de 2008

14 de outubro de 2008

A gente se entende.

-mas vc ama tanto ser xingado, que faz as coisas de proposito,
então, nao tem problema eu me irritar, vc gosta

-e vc idem.

-that's my charm.

-pena q n tenho a chance de irrita e rouba bjo. q tem um gosto especial

-ja teve muitas.

-e perdi alguma?

-nenhuma,
me irritou em todas

-ainda bem q nunca fui mordido, q mordida com raiva deve doerrrrr

-eu não mordo, sou boazinha

-Hahaha, sei sei

-sou sim.
custo a perder a paciencia com vc

-custa? imagina se fosse facil?

-vc teria menos trabalho

-(VACA, com todo respeito)
mas necessitava de um insulto

-vc me ama.

-vale platonico?

13 de outubro de 2008

This is a fate, I'm yours,

Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.

[C.F.A.]

12 de outubro de 2008

Luto

'E até hoje, quem se lembra
Diz que não foi o caminhão
Nem a curva fatal
E nem a explosão...'

Lucas,
De você vou guardar o sorriso fácil, a linda voz, o último email e a estrelinha do meu celular.
Sem palavras,
só saudades.

Fica em paz e até um dia.

9 de outubro de 2008

Caio traduz.

Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Se você começa a espalhar aos sete ventos, crau, dá errado. Isso porque ao contar a gente tem a tendência a, digamos, “embonitar” a coisa, e portanto distanciar-se dela, apaixonando-se mais pelo supor-se apaixonado do que pelo objeto da paixão propriamente dito. Sei que é complicado, mas contar falsifica, é isso que quero dizer — e pensando mais longe, por isso mesmo literatura é sempre fraude. Quanto mais não-dita, melhor a paixão. Melhor, claro, em certo sentido que signifíca também o pior: as mais nobres paixões são também as mais cadelas, como aquelas que enlouqueceram Adele H., levaram Oscar Wilde para a prisão ou fizeram a divina Vera Fischer ser queimada feito Joana d’Arc por não ser uma funcionária pública exemplar.

8 de outubro de 2008

Me diviiiirto!

Põe tarja rosa no lugar da preta. Canalha tem um equivalente. Mais delicioso do que ele.

Se eu fico eriçado com Canalha, nem posso pronunciar direito seu sinônimo feminino. Transborda. É como, imobilizado, ser acariciado pelas pernas de uma mulher e investir inutilmente as mãos nas cordas. Vou guardar para o final.

Os leitores debateram qual seria a encarnação depilada do canalha. Surgiram várias provocações.

“Ingrata”? Elimino. Há uma ancestralidade negativa, não tem peso sexual. Atende a situações de desapego e desprezo. Ingrata é quem não dá o merecido. Convenhamos, o canalha dá mais do que o merecido. Só não permanece. Some sem se despedir. Canalha nunca aparece morto, um dia pode voltar. É o Dom Sebastião do sexo. Os telefonemas vão rareando e, de repente, ressurge como se fosse ontem, disposto como da primeira vez. O canalha sofre ataques de ternura. Nunca alcançamos o quanto ele vai durar - o que aumenta a intensidade dos encontros.

"Você é uma ingrata" soa como briga de comadres. Ou algo que o cabeleireiro confessa quando você não gosta da franjinha que ele inventou de última hora.

“Ordinária”? Um arcaísmo. Já era velho com Nelson Rodrigues. Não tem modernidade. Significa o cafajeste de saias. Sem diploma, não tem o cacife de um canalha. Foi trabalhar muito cedo. Forte, contundente, mas clamor despossuído de continuidade. É empregado para qualificar as sessões nas Câmaras Municipais de Vereadores, o que liquida de vez sua prosperidade amorosa.

Ordinária não oferece esperança. Canalha tortura pela fé depois de torturar pelo amor.

"Você é uma ordinária" lembra despedida de novela mexicana dublada. Os lábios do ator fecharam e a ordinária nem terminou de sair da garganta. Conclusiva, trai a mímica. Um beco da linguagem. Para expulsar uma amante e se internar em seguida numa clínica de desintoxicação.

[...]

"Vadia"? Funciona unicamente no quarto. Na rua, será motivo de agressão.

"Ei, vadia, está furando a fila?"

Não surte efeito. O canalha é o coringa do charme, pode ser veiculado nas vias públicas e acessos íntimos.

"Ei, canalha, está furando a fila?"

Ainda se manterá a normalidade do trânsito. Vadia exige intimidade ou tesão descomunal.

Desembarcamos no ponto alto: se o canalha fosse mulher, seria SA-FA-DA. É o café cortado que faz par ao expresso. A pronúncia é igual. Aberta, com as vogais batendo três vezes nos dentes. Safada é o vodu da dicção. Alfineta a boca. Estala, como aldrava numa porta. Quando o homem fala SAFADA, tem dificuldade para terminar. É derrotado pelo prazer. Prolonga ao máximo, como um guizo de uma cascavel. Depois de verbalizar, sente imediatamente uma saudade sonora.

Safada é expressão para morder, por mais que se queira lambê-la. Pode ser disparada no cantinho de trabalho ou numa roda de samba. É um elogio da malícia feminina, reconhecimento ao incontrolável temperamento. Com "sua" na frente é AVC. Não há como negociar prazos.

Repare: Sua Safada. O pulmão pede passagem. Mais consagração do que ofensa. Picardia na medida certa. Melodia que insinua e não limita o delírio.

Um sujeito somente diz quando reconhece que está sendo derrubado e nunca gostou tanto de ser masoquista. “Safada” é gritado como canalha. Ainda que num sussurro, ultrapassa o limite de 60 decibéis e deflagra a poluição sonora. É um "não esperava" esperando. O cara restará idiota, com o rosto perplexo de quem pensa "nos conhecemos de algum lugar?" e não estraga o momento com essa pergunta.

Traz uma autoridade milenar, um conhecimento secreto que não merecer ser revelado, muito menos questionado. Safada é libertinagem ingênua, devassidão castiça.

Safada é o que o homem encontrou para não entregar que está apaixonado. Tente.

[Fabricio Carpinejar]

6 de outubro de 2008

Bom conselho

[...]

Não tente reinventar o Kama Sutra nas primeiras noites... A dramaturgia da cama não é para amadores. O sexo é uma coisa tão séria que só deveria ser feito pelos devassos, pelos afilhados do Marquês de Sade. Não é qualquer donzelo que resiste às firulas da alcova, a ginástica das pernas, à coreografia dos braços e ao bate-coxa.

A verdadeira pornografia é a intimidade.
[...]

[Xico Sá]

3 de outubro de 2008

“Nada é mais belo do que um corpo nu. A roupa mais bela que pode vestir uma mulher são os braços do homem que ela ama. Mas, para aquelas que não tiveram a sorte de encontrar esta felicidade, eu estou lá.”

[Yves Saint Laurent]


Ok.

Sob o céude Saigon

[...]Nesse momento - dizem que cabe aos homens esse gesto, e eles eram mesmo meio antigos - talvez ele tenha pensado em oferecer um cigarro a ela, em perguntar se já tinha visto aquele filme, se queria tomar um café no Ritz, até mesmo como ela se chamava ou alguma outra dessas coisas meio bestas, meio inocentes ou terrivelmente urgentes que se costuma dizer quando um desses rapazes e uma dessas moças ou qualquer outro tipo de pessoa, e são tantos quantas pessoas existem no mundo, encontram-se de repente e por alguma razão, sexual ou não, pouco importa se por alguns minutos ou para sempre, tanto faz, por alguma razão essas pessoas não querem se separar. Mas como ele era mesmo sempre um tanto lento, não perguntou coisa alguma, não fez convite nenhum. Nem ela. Que lenta não era, mas apenas distraída.[...]

[C.F.A.]

2 de outubro de 2008

Pela noite

[...]
então deito, bebo devagar o leite pensando em escrever para minha mãe, em mudar de vida, de emprego, de cidade, de país, que vontade, querida mamãe, de ser feliz, de ter um grande amor bem limpinho, bem clarinho, um amor de manhã bem cedo, não diga nada a ninguém, não é preciso, mas cá-entre-nós-que-ninguém-nos-ouça, não vem dando muito certo, tenho tentado, juro. [...] não conte a tia Flora que perdi as ilusões, que já nem lembro mais, e encho o saco disso e apago a luz e durmo e sonho.

[C.F.A.]

Eu to pedindo...

[...]

Eu lhe peço: me pede.

Não pede mimos baratos, pede atenção, por exemplo, essa mercadoria tão cara ao mundo das moças. Pede que corrija os erros do meu português ruim, que eu deixe de alternar a segunda e terceira pessoa, que falta de classe, na boa, pede, nem que eu chame o Pasquale para ficar de “vela” corretiva entre nós dois...

Pede, amorzinho, pede gostoso, sou o senhor das tuas demandas.


[Xico Sá]