26 de fevereiro de 2010

aqui.

As vezes amanheço,
e minha alma está úmida.
Soa e ressoa o mar distante,
isto é um porto.
Aqui eu te amo.

[Pablo Neruda]

25 de fevereiro de 2010

'Hoje o dia pousou na minha cabeça e clareou...'

Conviver é muito difícil.
Tô precisando de uma pausa de dois milhões de compassos, pra ver se paro de sentir o peso do mundo nas costas.
Só por hoje, tentem não cansar a minha beleza.

22 de fevereiro de 2010

Receitas antitédio carnavalesco.

Pequenas sugestões e receitas do espanto antitedio para senhores e donas de casa durante o carnaval.

I.
Pegue um nabo. Coloque duas ou três palavras dentro dele, por exemplo: bastão, ouro, amplidão. Chacoalhe. Você não vai ouvir ruído algum. É normal. Ai ajoelhe-se com o nabo na mão e diga:
“Com o bastão que me foi dado
Com o ouro que me foi tirado
E sem nenhuma amplidão
De conceitos e dados
Quero nascer brasileiro
E poeta.”
Quem te ouvir vai ficar besta.

II.
Colha um pé de couve e dois repolhos. Embrulhe-os. Faça as malas e atravesse a fronteira. Ta na hora.

III.
Pergunte ao seu filhinho se ele quer laranja descascada de tampinha ou de gomo. Se ele disser que quer laranja descascada de tampinha, diga que um menino bem educado sempre escolhe a de gomo. Se ele começar a chorar, chupe você a laranja. De tampinha, naturalmente.

IV.
Enfeite a mesa com flores. Compre um peru. Feche as crianças no banheiro. Antes de começar a ceia, convide seu marido para dançar ao redor da mesa (não mexa com o Peru). Inopinadamente pergunte se ele gosta de trufas. Se ele disser que sim, gargalhe algum tempo atrás da porta e diga que “trufas não tem não, amorzinho”.

V.
Compre manteiga. Passe-a nos dedos (esqueça Marlon Brando). Chupe-os. E diga em tom de oração: Que vida solitária, meu Deus! (Contenha-se).

VI.
Compre uma língua de tucano (é uma umbelífera), uma língua de vaca (Chaptalia nutans é seu nome cientifico), um lírio branco (Lilium candidum), dois caquis (não é cáqui, não vá comprar o brim da cor dos caquis), ferva durante cinco minutos. Depois jogue fora, olhando para o alto. É uma simpatia para você não dormir.

VII.
Corte um saco em pequenos pedaços. Um de estopa, evidente. Embrulhe vários ovos, um por um, em cada pequeno pedaço de estopa. Pinte caras descarnadas, dentes pontudos e beiços vermelhos na cara dos ovos (sempre esses de galinha ou de pato, é desses que eu estou falando). Quando alguma das tuas crianças começar a pedir aquelas coisas caríssimas e imbecis que são sugeridas na televisão, cubra-se de negro a noite, use tintas fosforescentes para ressaltar a cara dos ovos (aqueles) e quebre-os um a um nas pequeninas cabeças dizendo com voz rouca: parem de pedir coisas impossíveis a sua mãe, seus canalhas!

VIII.
(Se você for PhD, leia até o fim. Se não, pule esta).
Faca um buque de orelhas. É fácil. Peça apenas uma a cada um de seus dez amigos íntimos. Diga-lhes que é para uma causa nobre. Se perguntarem qual causa (não confundir com Cáucaso, é outra coisa), diga que você precisa mandar o buque para tua velha e querida preceptora inglesa (quando você tinha quinze anos, lembra-se?), que arrancou as tuas duas porque você insistiu inquebrantável durante doze horas seguidas que aquela primeira frase de Marco Antonio para o povão era, na “tua” tradução, “Emprestai-me vossas orelhas”. Todos concordarão, acredite, com o teu pedido. Ainda mais porque todo mundo sabe que “Lend me your ears” quer dizer isso mesmo.

IX.
Se você quer se matar porque o país está podre, e você quase, pegue uma pedrinha de canfora e uma lata de caviar e coloque ao lado seu revólver. Em seguida, coloque a pedrinha de cânfora debaixo da língua e olhe fixamente para a lata de caviar. Só então engatilhe o revólver. (É bom partir com olorosas e elegantes lembranças. Atenção: não de um tiro na boca porque a pedrinha de canfora se estilhaça).


[Hilda Hilst]

zexonthebeach


Só pra quem entende.

18 de fevereiro de 2010

Dica

Nota de rodapé para uivo

Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo!Santo! Santo! Santo! Santo! Santo!Santo! Santo! Santo! Santo!

O mundo é santo! A alma é santa! A pele é santa! O nariz é santo! A língua e o caralho e a mão e o cú são santos!

Tudo é santo! Todos são santos! Todo lugar é santo! todo dia é eternidade! Todo mundo é um anjo!


O vagabundo é tão santo quanto o serafim! O louco é tão santo quanto você minha alma é santa!


A máquina de escrever é santa o poema é santo a voz é santa os ouvintes são santos o êxtase é santo!


Santo Peter santo Allen santo Solomon santo Luciensanto Kerouac santo Hunke santo Burroughssanto Cassady santos os mendigos desconhecidossofredores e fodidos santos os horrendosanjos humanos!

Santa minha mãe no asilo de loucos! Santos os caralhos dos vovôs de Kansas!


Santo o saxofone que geme! Santo o apocalipse bop! Santos a banda de jazz marijuana hipsters paz & droga & sonhos!

Santa a solidão dos arranha-céus e calçamentos! Santas as cafeterias cheia de milhões! Santo o misterioso rio de lágrimas sob as ruas!

Santo o solitário Jagarnata! Santo o enorme cordeiro da classe média! Santos os pastores loucos da rebelião! Quem saca que Los Angeles é Los Angeles!

Santo Nova York! Santo San Francisco Santo Poeria& Seattle Santo Paris Santo Tânger Santo Moscou Santo Istambul!

Santo o tempo na eternidade santa a eternidade no tempo santos os despertadores no espaço santa a quarta dimensão santa a quinta internacional santo o anjo em Moloch!

Santo o mar santo o deserto santa a ferrovia santa a locomotiva santas as visões santas as alucinações santos os milagres santo o globo ocular santo o abismo!

Santo perdão! Misericórdia! Caridade! Fé! Santo! Nossos! corpos! Sofrendo! magnanimidade!


Santa a sobrenatural extra brilhante inteligente bondade Da alma!


[Allen Ginsberg]

11 de fevereiro de 2010

10 de fevereiro de 2010

Luto

Ai, meu carnaval...
Que é que 'cê fez,
Homem ruim?
Ai, pobre de mim,
Mais uma vez
Fiquei tão mal
Do início ao fim
Dessa festa que meu pai me deu para treino
espiritual.

Não fale em mágoa de amor comigo,
Ciúme, culpa, rejeição: não ligo.
Quero polir meu coração de pedra
Em frevos místicos
Na luz que medra
Por entre as máscaras, caras e lâmpadas
E mesmo a estampa das
[camisetas de reclame -
Não me chame, não me odeie, não me ame.

Não, meu carnaval,
Não pode ser
Que eu já perdi;
Não, ponto final:
Eu e você
Acaba aqui,
Sem carnaval -
Essa festa que meu pai me deu para treino
espiritual.

Agora é só cinza na cabeça;
Desapareça, por favor, da minha frente.
A minha mente está na Castro Alves,
Na Rio Branco, no Marco Zero,
Maracatu, Sapucaí - eu quero
- E o camarote e cada anúncio de produto.
'Tou com raiva, 'tou com pena, 'tou de luto.

Ai, meu carnaval...
Vou recompor
Meu coração.
Ai, não tem perdão
Pra quem vetou
O ritual
Da inspiração -
Essa festa que meu pai legou para treino espiritual:
Meu puro amor, o carnaval.

[Caetano Veloso]

Word of the day...

REVERBERAÇÃO
[Do lat. reverberatione.]
S. f.
1. Ato ou efeito de reverberar; revérbero.
2. Fís. Persistência de um som num recinto limitado, depois de haver cessado a sua emissão por uma fonte.

9 de fevereiro de 2010

dos afazeres domésticos

Descobri ontem, que carrego uma certa culpa ancestral por usar máquina de lavar.
Fico vigiando o processo, como se aquilo garantisse a lavagem correta das roupas ou me redimisse um pouco da transgressão de não ter que molhar as mãos pra ter as peças limpas.

Será que sempre fui Amélia e nunca soube?!
M E D I N H O.

Gaivota

Gaivota menina
De asas paradas
Voando no sonho
Díaguas da lagoa
Gaivota querida
Voa numa boa
Que o vento segura
Voa numa boa

Gaivota na ilha
Sem noção da milha
Ficou longe a terra
Gaivota menina
Gaivota querida
Voa numa boa
Que o alento segura
Voa numa boa

Gaivota, te amo e gaivotaria sempre em ti
Gaivotar seria poder te eleger para mim
Eu te quero, e se fosse o caso, quereria mais ainda

Ser, eu mesmo, gaivota sobre mim
Sobrevoar meus temores, meus amores
E alcançar o alto, alto, o mais alto dos teus sonhos
Dos teus sonhos de subir

De subir aos ares
Gaivota querida
Gaivota menina
Pousa perto de mim

[Gilberto Gil, coisa mais linda, acorde ouvindo e garanta sua paz logo de manhã]

3 de fevereiro de 2010

Tornei-me um clichê ambulante...

agora só sei dizer que te amo, que te amo, que te amo...
e tenho que me controlar pra não pichar coraçõezinhos e iniciais pelas paredes da casa.
Todas as canções de amor correspondido são nossas e eu já convidei as minhas amigas para serem madrinhas do casamento.




adoro.

2 de fevereiro de 2010

Para um roxo dia de sol de fevereiro

[...] Procuro e não acho. Mas saio para a rua todo de roxo, a barriga de fora.

[...]

E na esquina riem. Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si, homens dispostos na calçada com as camisas abertas entre as verduras da tenda da esquina, os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos, e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo, apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada. Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila, é como se o sol coroasse minha cabeça e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto, porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.

[...]

E entro na sala e sinto que os olhares se debruçam sobre mim e cumprimento alguns e outros e não penso nada: gozo a glória deste momento e sei que brilho mesmo sem saber para onde vou. E tombo sobre a mesa e tento arranjar no rosto um ar compungido, qualquer coisa modesta e bucólica, à beira do perdão, um olhar no horizonte nas janelas do arquivo, para que me amem, para que se condoam, para que não se ofendam com meu sol de hoje.

Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval john lennon e carlos gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que vezenquando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.

E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.

[Caio Fernando Abreu]

Das coisas que eu mais amo no mundo...

Dormir de conchinha! ô!