30 de dezembro de 2008

Saudade

A saudade é um parafuso
que quando a rosca cai
Só entra se for torcendo
porque batendo não vai
Mas quando enferruja dentro
nem distorcendo não sai.

[Raul Seixas]

27 de dezembro de 2008

O livro dos prazeres

[...]
Lóri ligou o número de telefone:
— Não poderei ir, Ulisses, não estou bem. Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
— É fisicamente que você não está bem?
Ela respondeu que não tinha nada físico. Então ele disse:
— Lóri, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
— Por que é que você nunca se casou? perguntou ela incongruentemente.
— É que — e sua voz era a voz de quem sorria — é que não senti necessidade e por sorte tive as mulheres que eu quis.
Ela se despediu, abaixou a cabeça em pudor e alegria. Pois apesar de, ela tivera alegria. Ele esperaria por ela, agora o sabia. Até que ela aprendesse.
[...]

[Clarice Lispector]

23 de dezembro de 2008

Welcome back

Tem dias que ela aparece sem avisar, de malas feitas na porta da sua casa:
- Voltei.

Você tenta botá-la para fora, que nem quando a gente faz com visita que não quer que fique, diz que o café acabou, que está ocupada não pode dar atenção.
Mas ela é de casa. Você não precisa se preocupar, nem levar ao cinema ao parque, visitar o Pão de Açúcar, tira retrato para o foto-prato, nada disso, nem mesmo avisar onde guardam os talheres que, ela sabe, ficam na primeira gaveta.

- Voltei, voltei - diz ela, botando a mão por debaixo da sua camisola.

Tem dias que a tristeza aparece e sopra assim no seu ouvido:

- Lembra como era bom?

[Jô Hallack]

Palavra do dia

Anacrônico

[De anacronismo + -ico2, seg. o padrão grego.]
Adj.
1. Que contém ou encerra anacronismo.
2. Que está em desacordo com a moda, o uso, constituindo atraso em relação a eles.
3. Avesso aos costumes hodiernos; retrógrado.

23/12

Eu costumava ser feliz nesse dia.
Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.
Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.


[Shakespeare - Soneto CXVI]

22 de dezembro de 2008

Simulacro da Imagerie

[...]
Lá fora o vento bateu em sua saia longa, fazendo-a voar. "Estou sem calcinha", ela lembrou. E pensou em Cármen Miranda. Mas deixou que voasse e voasse. Respirou fundo. Morangos, mangas maduras, monóxido de carbono, pólen, jasmins nas varandas dos subúrbios. O vento jogou seus cabelos ruivos sobre a cara. Sacudiu a cabeça para afastá-los e saiu andando lenta em busca de uma rua sem carros, de uma rua com árvores, uma rua em silêncio onde pudesse caminhar devagar e sozinha até em casa. Sem pensar em nada, sem nenhuma amargura, nenhuma vaga saudade, rejeição, rancor ou melancolia. Nada por dentro e por fora além daquele quase-novembro, daquele sábado, daquele vento, daquele céu-azul - daquela não-dor, afinal.

[C.F.A. em Estranhos Estrangeiros]

19 de dezembro de 2008

Hoje a fé me abandonou.

Why isn't love enough?
[Alice Aires in Closer.]

Amor não se implora. Se a solução fosse essa, já teria me ajoelhado no milho, em espinhos, me curvado até o cofrinho aparecer, e ficado sempre, ao invés de ir embora fingindo sorrir, até te vencer pelo cansaço.
Se loucura ajudasse, poderia cogitar as piores. Das mais rídiculas às mais perigosas: Pular de um carro em movimento na porta da sua casa. Saltar de paraquedas pelada.
Se funcionasse chorar, choraria até desidratar, até formar um rio, até...
Mas amor não se pede, imagine só.
Alô! Seu tonto, será que não dá pra você me olhar por cinco segundos pra que eu me sinta especial e consiga ver graça em qualquer noite chata?! Não, não posso pedir isso.
Ei, seu lerdo. Será que você não pode me abraçar forte e dizer que tá tudo bem só pra que eu perca o meu medo de cair?! Não, eu não posso dizer isso.
Acorda, acorda! E venha me beijar como um beijo de final de filme, porque a cada vez que você passa e não me olha eu me diminuo.
Definitivamente, não, melhor não.
Não vou dizer isso.
É uma pena correr com pulinhos enganados de felicidade e levar uma rasteira.
É um desperdício amar sozinha. É um saco chorar sozinha. É horrível construir sonhos sozinha.
Mas eu não posso, eu sei, dá vontade, mas eu não posso te ligar só pra dizer: Boa noite, não, não está tudo bem. Tô sofrendo aqui, será que dá pra parar com essa estupidez de não ser meu?!
Mas amor não se pede. Isso me dá raiva, mas e aí?
Também tenho raiva de todas as músicas que quis ouvir do seu lado e não pude, de todos os dvds que eu quis assistir embaixo do seu edredon e não deu, de todas as tardes de domingo que eu te quis do meu lado e não tive.
Parafraseando Nietzsche, você me roubou a solidão, mas nunca me ofereceu em troca verdadeira companhia.
Mas não posso, nem brincando, te ligar pra dizer: ei! Penso em você 24 horas do meu dia. Aposto que ninguém mais faz isso. Larga essa vida de migalhas e vê se me ama logo.
Porque amor, meu amor, não se pede. É triste, mas não se pede. É triste ir embora pra casa sozinha e sentir aquele vazio enorme no peito. É triste levantar sozinha, ter que me arrumar sozinha, ter que caminhar sozinha pra chegar, te ver rodeado de pessoas e às vezes não merecer nem um olhar.
É ainda mais triste sentir seu cheiro invadir meu espaço, aquele cheiro que acalma minha busca. O cheiro que me dá vontade de transar pro resto da vida.
É triste amar tanto e tanto amor não ter proveito. Tanto amor querendo te fazer feliz.
Tanto amor querendo escrever uma história, mas só escrevendo este texto amargurado.
É triste saber que falta alguma coisa e saber que não dá pra comprar, substituir, implorar, muito menos pra esquecer.
É triste saber que com você meu sorriso é diferente. Que você comigo é diferente, mas que a sua vida não é só aqui comigo. Dá vontade...
Mas amor, você sabe, amor não se pede. Amor se declara: sabe de uma coisa?
Você sabe... Você sabe.


[Texto adaptado]

Pronto, acabou.

For you, I'd give up all I own
And move to a communist country
If you came with me, of course!
And I'd file my nails
So they don't hurt you
And lose those pounds,
And learn about football
If it made you stay,
But you won't, but you won't

18 de dezembro de 2008

Alfie

My understanding of women only goes as far as the pleasure. When it comes to the pain I'm like any other bloke - I don't want to know.

[primeira versão, 1966]


Whenever you meet a beautiful woman, just remember somewhere there's a man who's sick of shagging her.

[Com Jude Law, 2004]

17 de dezembro de 2008

Sofro demais.

'Eu tô acostumada a reclamar da falta, fazer poemas mal amados e praguejar o Universo. Agora, descobrir que o contrário pode ser pior tá sendo tenso. Porque além da minha insatisfação pessoal permanecer, ainda há a vida de outros envolvida e eu não to conseguindo administrar tanto sentimento junto, e nem nasci pra poligamia. (Ok, menos..) Tô quase pensando que as filhadaputagens e a falta de compromisso talvez sejam mais confortáveis que pessoas em carne, osso e boas intenções. Enfim, eu só queria dizer pro Cupido pra, na próxima, disparar uma flecha de cada vez, estamos entendidos?!'

Doidice

É natural
Um vendaval que passa aqui
Mais doidice ali
Ou uma seca que arrasou
Pior é não te ver agora
Aflora vícios
Claras manhãs
Ou tanto mais
que eu possa ter
Nada quer dizer
Se o teu beijo não é meu
Cio chegando
Calor explodindo
Temores rondando o ar
E eu pensando em ti
Me apaixonei?
Talvez, pode ser
Enlouqueci?
Não sei, nunca vi
Preciso sair
Depois que eu descobri
que há você
Nunca mais existi...


[Djavan]

15 de dezembro de 2008

Devoção

Quero que tu entres em minha casa com bola e tudo e me faça coisas inacreditáveis e pendure a calcinha na torneira do banheiro como uma bandeira do homem que pisou na lua pela primeira vez a bordo do Apolo 9 e eu vou beber cada pinguinho da tua calcinha lavada como quem bebe um champanhe de mosteiro e o esquema tu já sabes: casa comida roupa lavada e um milhão de beijinhos nas costas e nas pintas até adormecê-la.



[Xico Sá]

13 de dezembro de 2008

Quer saber?

'Entendo perfeitamente crimes passionais. [...] Sinceramente, entendo. Quando alguém te machuca, te decepciona, te magoa, a dor é tão grande que você quer agredir a pessoa de volta. Você se sente impotente. Enganado. Ferido. Frustrado. Dá vontade de matar. De morrer. De sumir. Seu mundo desaba bem na sua frente. Você sente que perdeu seu tempo, sua vida, sua auto-estima, suas forças. [...]
O que sempre falo com meus amigos (como se conselho valesse de alguma coisa) é que vingança não é remédio. Nem fazer justiça com as próprias mãos. Acredito que o tempo se encarrega disso. [...]
Em todo caso, deseje o mal de volta pra pessoa. Não por vingança. Só pra ver se ela é forte como você.'



11 de dezembro de 2008

Word of the day...

Compulsão:
[Do lat. tard. compulsione.]
S. f.
1. Ato de compelir.
2. Psicol. Tendência à repetição.

Pelos ares

Não lhe peço nada
Mas se acaso você perguntar
Por você não há o que eu não faça
Guardo inteira em mim
A casa que mandei
um dia pelos ares
E a reconstruo em todos os detalhes
Intactos e implacáveis
Eis aqui
Bicicleta, planta, céu,
Estante cama e eu
Logo estará
Tudo no seu lugar
Eis aqui
Chocolate, gato, chão,
Espelho, luz, calção
No seu lugar
Para ver você chegar

[Adriana Calcanhoto]

9 de dezembro de 2008

Morangos mofados

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você gosta de Júpiter?
-Gosto. Na verdade "desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra".
-Que é isso?
-Um poema de um menino que vai morrer.
-Como é que você sabe?
-Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

(Silêncio)

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

(Silêncio)

-Como é que você sabe?
-O quê?
-Que o menino vai se matar.
-Sei de muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.
-Eu não sei nada.
-Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.
-Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
-Ninguém compreende.
-Às vezes sim. Eu te ensino.
-Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também.
-Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?

(Silêncio)

-Você tomou alguma coisa?
-O quê?
-Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.
-Não tomei nada. Não tomo mais nada.
-Nem eu. Já tomei tudo.
-Tudo?
-Cogumelos têm parte com o diabo.
-O ópio aperfeiçoa o real
-Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.

(Silêncio)

-Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.
-Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.
-Alguma coisa se perdeu.
-Onde fomos? Onde ficamos?
-Alguma coisa se encontrou.
-E aqueles guizos?
-E aquelas fitas?
-O sol já foi embora.
-A estrada escureceu.
-Mas navegamos.
-Sim. Onde está o Norte?
-Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.

(Silêncio)

-Você é de Virgem?
-Sou. E você, de Capricórnio?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando "Kiss, kiss, kiss". Por que você não me convida para dormirmos juntos.
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Por que não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.
-Te beijo.

[Caio]

8 de dezembro de 2008

Elegia ao primeiro amigo

Seguramente não sou eu
Ou antes: não é o ser que eu sou, sem finalidade e sem história.
É antes uma vontade indizível de te falar docemente
De te lembrar tanta aventura vivida, tanto meandro de ternura
Neste momento de solidão e desmesurado perigo em que me encontro.
Talvez seja o menino que um dia escreveu um soneto para o dia de teus anos
E te confessava um terrível pudor de amar, e que chorava às escondidas
Porque via em muitos dúvidas sobre uma inteligência que ele estimava genial.
Seguramente não é a minha forma.
A forma que uma tarde, na montanha, entrevi, e que me fez tão tristemente temer minha própria poesia.
É apenas um prenúncio do mistério
Um suspiro da morte íntima, ainda não desencantada...
Vim para ser lembrado
Para ser tocado de emoção, para chorar
Vim para ouvir o mar contigo
Como no tempo em que o sonho da mulher nos alucinava, e nós
Encontrávamos força para sorrir à luz fantástica da manhã.
Nossos olhos enegreciam lentamente de dor
Nossos corpos duros e insensíveis
Caminhavam léguas - e éramos o mesmo afeto
Para aquele que, entre nós, ferido de beleza
Aquele de rosto de pedra
De mãos assassinas e corpo hermético de mártir
Nos criava e nos destruía à sombra convulsa do mar.
Pouco importa que tenha passado, e agora
Eu te possa ver subindo e descendo os frios vales
Ou nunca mais irei, eu
Que muita vez neles me perdi para afrontar o medo da treva...
Trazes ao teu braço a companheira dolorosa
A quem te deste como quem se dá ao abismo, e para quem cantas o teu desespero como um grande pássaro sem ar.
Tão bem te conheço, meu irmão; no entanto
Quem és, amigo, tu que inventaste a angústia
E abrigaste em ti todo o patético?
Não sei o que tenho de te falar assim: sei
Que te amo de uma poderosa ternura que nada pede nem dá
Imediata e silenciosa; sei que poderias morrer
E eu nada diria de grave; decerto
[...]
Evidentemente (e eu tenho pudor de dizê-lo)
Quero um bem enorme a vocês dois, acho vocês formidáveis
Fosse tudo para dar em desastre no fim, o que não vejo possível
(Vá lá por conta da necessária gentileza...)
No entanto, delicadamente, me desprenderei da vossa companhia, deixar-me-ei ficar para trás, para trás...
Existo também; de algum lugar
Uma mulher me vê viver; de noite, às vezes
Escuto vozes ermas
Que me chamam para o silêncio.
Sofro
O horror dos espaços
O pânico do infinito
O tédio das beatitudes.
Sinto
Refazerem-se em mim mãos que decepei de meus braços
Que viveram sexos nauseabundos, seios em putrefação.
Ah, meu irmão, muito sofro! de algum lugar, na sombra
Uma mulher me vê viver... - perdi o meio da vida
E o equilíbrio da luz; sou como um pântano ao luar.

Falarei baixo
Para não perturbar tua amiga adormecida
Serei delicado. Sou muito delicado. Morro de delicadeza.
Tudo me merece um olhar. Trago
Nos dedos um constante afago para afagar; na boca
Um constante beijo para beijar; meus olhos
Acarinham sem ver; minha barba é delicada na pele das mulheres.
Mato com delicadeza. Faço chorar delicadamente
E me deleito. Inventei o carinho dos pés; minha palma
Áspera de menino de ilha pousa com delicadeza sobre um corpo de adúltera.
Na verdade, sou um homem de muitas mulheres, e com todas delicado e atento
Se me entediam, abandono-as delicadamente, desprendendo-me delas com uma doçura de água
Se as quero, sou delicadíssimo; tudo em mim
Desprende esse fluido que as envolve de maneira irremissível
Sou um meigo energúmeno. Até hoje só bati numa mulher
Mas com singular delicadeza. Não sou bom
Nem mau: sou delicado. Preciso ser delicado
Porque dentro de mim mora um ser feroz e fratricida
Como um lobo. Se não fosse delicado
Já não seria mais. Ninguém me injuria
Porque sou delicado; também não conheço o dom da injúria.
Meu comércio com os homens é leal e delicado; prezo ao absurdo
A liberdade alheia; não existe
Ser mais delicado que eu; sou um místico da delicadeza
Sou um mártir da delicadeza; sou
Um monstro de delicadeza.

Seguramente não sou eu:
É a tarde, talvez, assim parada
Me impedindo de pensar. Ah, meu amigo
Quisera poder dizer-te tudo; no entanto
Preciso desprender-me de toda lembrança; de algum lugar
Uma mulher me vê viver, que me chama; devo
Segui-Ia, porque tal é o meu destino. Seguirei
Todas as mulheres em meu caminho, de tal forma
Que ela seja, em sua rota, uma dispersão de pegadas
Para o alto, e não me reste de tudo, ao fim
Senão o sentimento desta missão e o consolo de saber
Que fui amante, e que entre a mulher e eu alguma coisa existe
Maior que o amor e a carne, um secreto acordo, uma promessa
De socorro, de compreensão e de fidelidade para a vida.

[Vinícius de Moraes]

Pecado é ME deixar de molho.

[...]
Não, eu não vou me vingar
Se você fez questão
De vagar o mundo...

5 de dezembro de 2008

Ah coração teu engano foi esperar por um bem
De um coração leviano que nunca será de ninguém...

Word of the day...

ASTÚCIA:
[Do lat. astutia.]
S. f.
1. Habilidade em enganar; lábia, solércia, manha, artimanha, ardil.
2. Finura, malícia, sagacidade.

Cazuzinha pra cutucar.

Pra que sonhar
A vida é tão desconhecida e mágica
Que dorme às vezes do teu lado
Calada
Calada

Pra que buscar o paraíso
Se até o poeta fecha o livro
Sente o perfume de uma flor no lixo
E fuxica
Fuxica

Tantas histórias de um grande amor perdido
Terras perdidas, precipícios
Faz sacrifícios, imola mil virgens
Uma por uma, milhares de dias

Ao mesmo Deus que ensina a prazo
Ao mais esperto e ao mais otário
Que o amor na prática é sempre ao contrário
Que o amor na prática é sempre ao contrário

Ah, pra que chorar
A vida é bela e cruel, despida
Tão desprevenida e exata
Que um dia acaba

I don't care.

Eu quis tanto ser feliz. Tanto. Chegava a ser arrogante. O trator da felicidade. Atropelei o mundo e eu mesma. Tanta coisa dentro do peito. Tanta vida. Tanta coisa que só afugenta a tudo e a todos. Ninguém dá conta do saco sem fundo de quem devora o mundo e ainda assim não basta. Ninguém dá conta e...quer saber? Nem eu. Chega.

4 de dezembro de 2008

Só pra me contradizer um pouquinho.

Nosso amor só pode estar tirando onda da nossa cara, é o tipo de amor que sabe rir da nossa desgraça, um amor de rapariga da última luz vermelha do fim do mundo, um amor que não respeita as leis do cosmo, nosso amor é uma ficção barata, café puro, pão na chapa, nosso amor nem esfriou ainda o cadáver, acabou no auge, como a carreira de Pelé, como os Beatles, nosso amor era sábio. E como os amores reencarnam, muito cuidado, senhoras e senhores, nosso amor pode estar rondando aí a sua área e se multiplicando como pombos, ratos e gremlins. Prendam-no o criminoso, onde está a polícia que não vê uma coisa dessas, tio Nelson? Nosso amor, para ser mais exato, acabou hoje, em plena Sexta-Feira da Paixão: sentimento que costuma alimentar os inícios, jamais os finais. Vai entender esse troço, nossos dialéticos corazones batiam o bumbo das contradições. O fato, amigo, é que nosso amor era mais bacana e menos apressado do que nós dois juntos!

[Xico Sá]

3 de dezembro de 2008

Interrompemos nossa programação normal...

Para um pronunciamento meu.


Sempre fico feliz quando penso em você. E eu sempre estou pensando em você. Quantas vezes já me flagrei cantarolando 'pela luz dos olhos teus' pela casa, fazendo uma dancinha ridícula e sorrindo leve.
Leve, talvez essa seja a palavra, o segredo, a nova maneira que você me ensinou pra levar as coisas e encarar a vida. Sim, de um jeito ou de outro você é o culpado de tudo, e sabe disso. Mas não precisa se preocupar.
Ninguém nunca foi tão longe comigo. Nunca me viram dormir, acordar e gozar tantas vezes. Nunca ninguém chegou tão próximo de me conhecer completamente como você fez. Mas não precisa se preocupar com isso também.

-

Li outro dia que a única infidelidade que realmente existe é a autocometida. Resolvi acatar isso como minha verdade absoluta. Só preciso ser sincera comigo mesma, não é certo continuar escondendo minhas coisas de mim. Não vou mais me sabotar, o que eu quero é ir além, continuar sentindo essas coisas lindas que ninguém entende mas que fazem todo o sentido pra mim. Esquecer a crueldade alheia, abstrair os conselhos inúteis e a futilidade de quem pode até querer o meu bem, mas nunca entenderá que o coração vale mais que as convenções sociais. Não tenho mais medo de ultrapassar meus limites, agora quero ir até onde não puder mais. Só sou feliz quando sou fiel à mim, e você me lembra disso a cada vez que me abraça e diz que tá tudo bem.

2 de dezembro de 2008

MEC

"Se alguém soubesse do que digo e do que quero e aceitasse o que eu decidisse aceitar, do pouco de mim que tenho para dar, então sim entregar-me-ia, a essa pessoa, e seria dela, com as letras e os cuidados que tiver, para sempre.
E as palavras não me pertencem mas também não pertencem a ninguém.
[...]
Se eu tivesse tempo. Um sítio. Jeito. Imaginação. Alguém. Maneira. Ai de ti, se eu tivesse maneira. Vontade. Obrigação. Paciência. Uma história para me contar.
[...]
Se houvesse um amor abandonado à sorte dele, só Deus sabe a companhia que me faria, se eu deixasse. Quantas vezes, ao certo, cheguei eu a perder-te, para as mesmas vezes, vezes dez, enlouquecer de tanto de chamar? Tu dirás.
[...]
Diz o meu nome. Deixa-me ouvir.
[...]
Se eu pudesse. .
[...]
Não me sinto. Não existo já.

[...]
Estamos juntos de vez em quando. É a única coisa com que nos importamos: estarmos juntos de vez em quando, como agora estamos.

[...]
Ela não me ama como eu a amo.
Mas eu também já não a amo como já amei. Mas falamos como se nos amássemos mais que nunca. Nada mais é importante.
[...]

O meu coração morre sozinho, como Deus quiser."

A coisa tá feia.

Cama suja,
ônibus quebrado,
dedo queimado,
chuveiro que explode,
dor de ouvido,
lâmpada queimada,
franja rebelde...

Tudo isso na primeira semana do mês.

'Mais um dia. Tudo correu mal, menos o amor. A vida é simples e fácil de perder. Mas o amor é fodido. E gostei de fodê-lo contigo.'

[Miguel Esteves Cardoso]

Word of the day...

Excruciante:
[De excruciar + -nte.]
Adj. 2 g.
1. Que excrucia; pungente, doloroso, aflitivo, cruciante.

Só chamar

Bebe a saideira que agora é brincadeira ninguém vai reparar
Já que é festa, que tal uma em particular?
Os dias que eu planejo impressionar você, mas eu fiquei sem assunto.
Vem comigo, no caminho eu explico,
Vem comigo vai ser divertido, vem comigo...
Vem junto comigo eu quero te contaminar
De loucura até a febre acabar
Há dias que eu sonho beijos ao luar
Em ilhas de fantasia
Há dias com azia, o remédio é teu mel,
Eu sinto tanto frio, no calor do Rio
Já mandei olhares prometendo o céu
Agora eu quero no grito, vem

Vem comigo
Vem comigo, no caminho eu explico.

[Cazuza, Vem comigo.]

1 de dezembro de 2008

O Amor é uma criação artística.

Você pode suspender a criação a qualquer momento. Antes mesmo que comece. Se você não começar a inventar, ela não acontece. E aí, ainda bem que você é boa pinta e não te falta carne nem amizades em torno da cerveja de garrafa, porque é toda a história que você vai ter.

[Cecília Gianetti em Amores Expressos]

Soneto Inglês nº2

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.

As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao generoso sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.

Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar senão
A coragem de ser um novo santo.

Sem fé num mundo além do mundo. E então
Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

[Manuel Bandeira]