Dois ou três amigos me atribuem uma fantasia fluorescente das Mil e uma noites. Ainda ontem, cruzei com um dos meus raros admiradores. Assim que me viu, correu para mim, como se fosse me agredir. Agarrou-se a mim e dizia e repetia, esbugalhado: — “Que imaginação! Que imaginação!”. Baixei a vista, escarlate de vergonha. Na véspera, uma vizinha já me cochichara: — “O senhor é fértil. Não é fértil?”.
Fértil, eu! Quer-me parecer que ela aludia às minhas invenções, às minhas imagens. Mas, no primeiro momento, por uma dessas associações fatais, cheguei a pensar nos “dias férteis” das senhoras. De uma forma ou de outra, não me cabia promover minha própria fertilidade. Fiz um gesto (o brasileiro gesticula muito) e balbuciei: — “Mais ou menos, mais ou menos”. E ficamos por aí.
Mas vejam vocês: — sou obrigado a confessar, de público, o equívoco atroz. A minha imaginação é rala e, repito, a minha imaginação é escassa. Mas sou profissional e tenho que subvencionar o leite do caçula e o sapato da mulher. E que faço? O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a duras penas, uma meia dúzia de imagens. E, um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens.
Graças a Deus, o leitor não percebe que já leu aquilo umas cinqüenta vezes. [...]
[Nelson Rodrigues]
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