eu fui quem
sempre fui
com as honrosas exceções
de não ter sido eu mesmo
quando as circunstâncias exigiam
o contrário
o cadáver de raymond
carver, por exemplo
eu nunca fui
nem mesmo quando desejei
ter sido (o álcool em trailers nevados
o alaska, o zumbido
zumbi)
lá em brazzaville
fui eu quem dei no pé
o ukelelê soando adormecido
sob o sovaco
a maquiagem preta derretida
sob o sol do congo
mais uma vez fui eu
em casino royale
a valise de 1 milhão de euros
aberta contra o vento da baía, o temporal
de tiros dos capangas
de dostoiévski
ex-manager de futebol do chelsea
(seu corpo barbudo apareceu
boiando no tâmisa
numa manhã de domingo)
você me ver agora ou há 3 meses
tanto faz
sou aquele mesmo com aquelas
dores mais recônditas
que não cabem num blogue
a dor das vísceras, que é boba
como explicou meu dentista
dói o coração, mas sente o braço
dói a alma e sente o nervo
saiba por ora que tenho
dormido à noite
iluminado pela janela
de um boeing
simboliza
o futuro
e você não está nele
(nem no boeing
nem no futuro)
então adeus
até nunca mais
e um dia
[Joca Reiners Terron]

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